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Colunista 22/05/2017 09:43
Por: Wagner Azevedo

O caminho da Páscoa ao Pentecostes: vitória contra o ódio e a morte do povo brasileiro

Pouco adianta a crença na ressurreição se não há a vivência desta. A festa da Páscoa simboliza na religiosidade cristã a vitória da Vida contra a Morte. A ressurreição de Cristo condenado politicamente, açoitado e crucificado por um império transformou o ódio em amor e esperança. Entretanto, a sua ressurreição não foi percebida por todos, suas aparições foram em determinados momentos, em determinados discípulos. O testemunho dessa ressurreição foi o que manteve viva a festa da vida por mais dois milênios. O anúncio espalhado pelas nações deu-se pelo amor, manifestado pelo Espírito, do Pentecostes até hoje.

O caminho da Páscoa até o Pentecostes nos exige sensibilidade. Foi preciso sensibilidade aos discípulos de Emaús para perceberem que caminhavam junto de Cristo Ressuscitado (Lucas 24), aos discípulos que pescavam em busca de alimento (João 21), a Tomé uma experiência concreta dos seus sentidos (João 20, 24-29), às mulheres, que, subjugadas na sociedade, se dispuseram a visitar o túmulo e voltaram sabendo antes de todos e anunciando que a morte fracassara (Jo 20, 1-18). O sinal da ressurreição aparece nas experiências sensíveis, de pequenos grupos, de discípulos postos a caminho, em opressão ou desilusão. Sem a experiência da morte não haveria nesses e nessas uma resposta à violência a que estavam submetidos e submetidas. O Papa Francisco ressalta que as mulheres, primeiras testemunhas da Ressurreição, vivenciam “a alegria de saber que Jesus está vivo, a esperança que enche os corações, não a podem fechar dentro de si mesmas”. A percepção do Cristo Ressuscitado aconteceu e acontece apenas na realidade concreta, na experiência, com o toque, com o cheiro, com o olhar, com a escuta e com o alimento. A relação com Cristo além de pessoal e concreta é histórica, é a Ressurreição o sinal de esperança, carregando consigo um passado, um presente e um futuro que precisa continuar e ser anunciado com amor e alegria. Sem a percepção histórica não se pode compreender a morte e as suas manifestações na vida do povo. Se não enxergarmos onde está a morte não haverá Páscoa.

A perseguição a Cristo não foi apenas uma agressão individual à pessoa de Jesus, mas à história do seu povo, que, primeiro escravizado no Egito e, depois, subalternizado a um Império distante, aguardou a esperança da Libertação. Ver o Messias crucificado em meio ao deserto é a própria desesperança, a descrença que haja alguma possibilidade de ação para construção do futuro. O povo não se torna agente histórico quando há um império e uma classe que lhe dita seu destino. Assim a nossa história é condenada. A Ressurreição é significado da luta contra a condenação, contra a prisão da história resumida à morte nas mãos de poucos. A festa da Páscoa não pode ser vivida apenas como contemplação, ela é a ação própria da Libertação, manifestada concretamente. A experiência da Ressurreição vence o destino único que acorrenta os pobres.

Assim devemos compreender o tempo pascal que vivemos. A procura de Cristo não pode acontecer apenas no Novo Testamento. O Concílio Vaticano II, mas principalmente a Igreja latino-americana apontam para a necessidade de introduzir a cristologia para a realidade pessoal. A leitura do Evangelho não pode ser desconectada do ato da fé manifestada concretamente, na imagem do povo. Assim, onde estamos, para viver a Páscoa precisamos saber onde esteve e onde está a morte e suas causas. Os sinais de morte são ainda mais visíveis em tempos de crise, fechar-se a eles é negar ao povo que possa conduzir sua história. E a morte se escancara com a corrupção institucionalizada, com o despudor nas reformas que agridem os trabalhadores e trabalhadoras, ao mesmo tempo em que os ricos se encontram escondidos, com medo, nos porões de suas casas, articulando e planejando manutenção dos seus poderes, de guiar e impor ao povo o que suas vidas devem ser, o destino que devem tomar. Se no Concílio Vaticano II foi nas Catacumbas de Roma que se criou um pacto de defesa dos pobres, nas catacumbas do Jaburu se articulou o ataque à esperança e dignidade do povo brasileiro com a manutenção do privilégio de uma elite.

Vivemos no Brasil, e em boa parte do mundo, um momento caótico. A violência e o ódio são constantes. A guerra já é realidade para alguns, mas aos poucos ganha contornos de generalizante. A falta de esperança está posta na vida de muita gente. Mas, se estamos no tempo pascal, onde está a Ressurreição? Que experiência concreta estamos fazendo dela? Precisamos de sensibilidade para perceber, para reconhecer e vivenciar. A Ressurreição não se dá nas grandes mídias e entre os poderosos. Ela foi experimentada pelo povo que sofria pela opressão e pela morte. Não estará nos áudios de empresários, nem no voto dos parlamentares. Está no povo. Precisamos sentir o cheiro, olhar, escutar e tocar entre o povo, fazer a experiência sensível da Ressurreição.

O amor só se abstrai no Pentecostes. A vida confirma a vitória sobre a morte quando o Espírito age. Mas o Espírito só apareceu na comunidade quando estavam reunidos e reunidas aqueles e aquelas que creram e vivenciaram a Ressurreição. O Espírito agiu para confirmar que até mesmo na diversidade das experiências, na bagunça de um povo distinto e alegre, pode se manifestar o amor. A partir da experiência concreta da Ressurreição que foi possível ser comunidade. Tendo certeza daquilo que se quer vencer, daquilo que se quer libertar, foi possível conversar em conjunto. Um projeto popular de Libertação não está nas mãos da presidência ou do congresso, tampouco dos empresários e da mídia. Ela só será concreta no povo. No povo.

É preciso tomar a História nas mãos, reconhecer o sofrimento, ter voz e força de bradar contra a morte, em comunidade. Sejamos sensíveis à Páscoa e caminhemos para o Pentecostes (Atos 2) para festejarmos em comunhão embriagados de esperança que a nossa vida venceu, vence e vencerá a morte e todos esses que contra o povo conspiram.