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Colunista 26/07/2017 13:55
Por: Ângelo Savi

Sobre a condenação de Lula

Pelo noticiário da imprensa, Lula foi condenado por dois crimes: corrupção passiva e ocultação de bens, direitos ou valores provenientes de crime ou “lavagem de dinheiro”. Também pela imprensa, o que se sabe é que Lula recebeu um apartamento como paga por favorecer ilegalmente, quando presidente, a empreiteira OAS em três contratos firmados com a PETROBRAS. Propina, em suma.

O Direito Penal não é prescritivo, não adverte para que o comportamento seja este ou aquele. Simplesmente diz que, se for praticada alguma ação prevista como crime, haverá penalização. A condenação só ocorre depois de uma sequência de atos predeterminados chamada processo. Antes do processo se investigam os fatos num inquérito, normalmente feito pela polícia, que, ao terminá-lo, o envia para o Ministério Público.

O Ministério Público pode ou não dar início ao processo, conforme o peso das provas. Quando o Ministério Público pede a abertura do processo, o juiz também pode ou não aceitar o pedido. Durante o processo serão produzidas novas provas e, nesta fase, o réu se defenderá. A regra é a de que quem tem que provar é quem alega, ou seja, a acusação. Por fim, o juiz decide com base nas provas se o réu será condenado ou absolvido. Neste último, caso a absolvição poderá acontecer porque se concluiu que o réu não praticou o crime ou porque a acusação não conseguiu provar suficientemente os fatos.

De modo que para a condenação do ex-presidente, como em qualquer outro caso, ocorreram diversas fases; a coleta de provas preliminar; a decisão da promotoria de que as provas eram suficientes para que o processo se iniciasse; a decisão do juiz de que a denúncia contra o réu era viável; o processo propriamente dito no qual provas foram produzidas e renovadas e a decisão final, que obrigatoriamente tem de ser fundamentada e da qual a defesa ainda pode recorrer. Esta explicação de como ocorre um procedimento penal é feita para mostrar que a condenação de alguém pressupõe um complexo de atos que foram pensados para proteger qualquer acusado e, embora ocorram erros, em geral só acontece quando inexiste dúvida razoável sobre a culpa.

O crime de lavagem de dinheiro acontece quando alguém oculta ou dissimula a natureza, origem, localização, disposição movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores que provenham de crime. E o de corrupção passiva quando o servidor público solicita ou recebe, mesmo que em favor de outra pessoa, vantagem indevida ou promessa de vantagem em razão da função que exerce.

Logo, ao dissecar o conteúdo da fórmula legal que define o crime de lavagem de dinheiro, se vê que o que a caracteriza é a dissimulação ou ocultação de qualquer bem que tenha proveniência desonesta. Muito ao contrário da grita geral de que não se provou que Lula é o proprietário do apartamento, a essência do crime justamente é a de ser as escondidas. O crime aconteceu porque houve uma dissimulação na qual Lula foi presenteado com o apartamento que na aparência pertencia a outra pessoa. E aparência enganadora só pode ser provada de forma indireta, pois se fosse manifesta nem seria dissimulação. E aí novamente erram aqueles que reclamam que não houve prova objetiva da lavagem de dinheiro, mas somente prova indiciária. A prova indiciária ou por indução é aquela em que de uma verdade conhecida que tenha relação com o fato se conclui a existência de outra verdade antes ignorada e legalmente tem o mesmo valor do que a prova direta. Na verdade, indícios não são uma maneira menor de se conhecer a realidade. Quase todas as ações que praticamos são baseadas em indícios e eles são a principal forma pela qual nos orientamos na vida. Por exemplo, evitamos um determinado local porque há indício de que ele é perigoso devido ao fato de sabermos que lá ocorrem muitos assaltos. Trata-se de um indício que nos guia. De modo que dizer que a condenação não deveria ter ocorrido porque não há prova objetiva de que a propriedade do apartamento era de Lula, é, no mínimo, uma bobagem.

Quanto ao crime de corrupção passiva, para que ele ocorra, não precisa nem que a propina seja pedida e recebida pelo criminoso, pois basta que seja oferecida e aceita. Também não é necessário que o suborno seja feito em favor do subornado, podendo ser em favor de terceiro. No caso de Lula, o crime de corrupção passiva decorre necessariamente da lavagem de dinheiro, com o pagamento da propina dissimuladamente através do apartamento.

Portanto, a condenação pode até ter sido errada, mas não porque não se provou que Lula é proprietário do apartamento ou porque não há prova objetiva dela. Propriedade significa um registro formal em cartório e seria um absurdo se imaginar que alguém pudesse ser subornado por meio de um ato legal o que se constitui numa evidente contradição. Da mesma forma, para que ocorra uma simulação é necessário que tenha havido uma desconformidade entre o que realmente aconteceu e o negócio aparente, e aí só através de indícios se pode descobrir a verdade.