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Colunista 23/03/2017 08:10
Por: Arthur Lersch Mallmann

O Brasil e a esperança

 

Cerca de um ano atrás, nas circunstâncias do trigésimo aniversário da Folha de Candelária, fui convidado para escrever o meu primeiro pedaço de texto que viria a ser veiculado nesse jornal. Seria interessante, pensava-se, que eu, o filho do idealizador do jornal, Marco Antônio Mallmann, contribuísse compartilhando um pouco sobre a minha relação particular com a Folha. O texto escrito à época tratava do papel da mídia tradicional como preservação da memória, seja ela individual (como na relação que estabeleci com as crônicas de meu pai) ou coletiva (na preservação da história de um município, por exemplo). No retorno a este espaço, penso ser incontornável a retomada da memória dos escritos de meu pai. Eu poderia elencar alguns motivos que me levariam a pensar isso, como o fato de ser, novamente, mais um aniversário da Folha de Candelária e a importância inquestionável de revivermos a história da instituição nessas datas. No entanto, não é precisamente esse o caso. Explico.

Ao longo das leituras que fiz das crônicas de meu pai, as de valor histórico e político foram particularmente valiosas para mim. Não vivi a década de 1980 no Brasil, taxada como a “década perdida” pelos livros de história, mas pude, por meio delas, apreender um pouco do sentimento que pairava no ar à época. Foram dedicados textos às campanhas por diretas já; à morte de Tancredo; à sensação do primeiro voto para presidente por uma geração que amadureceu sem esse direito; aos infindáveis planos para combater a hiperinflação galopante que assolava os brasileiros e brasileiras. A despeito das frustrações do período – que, diga-se de passagem, não foram poucas – a impressão que guardei para mim era de que o tom da escrita se pautava sempre pela esperança no projeto de Brasil que se desenhava. Talvez o contexto realmente não permitisse que a situação fosse lá tão diferente. Baseada na Constituição Cidadã, uma nova República nascia e, com ela, a fé em uma nova promessa de país que aguentaria o tranco de alguns percalços ao longo do caminho.

De lá para cá, praticamente três décadas se passaram. O Brasil passou por mais um, dessa vez traumático e controverso, processo de impeachment. As operações da Polícia Federal também trouxeram à luz práticas de corrupção já enraizadas no sistema, envolvendo a classe política quase em sua totalidade agindo em conluio com as grandes empresas. O sistema carcerário e a segurança pública parecem estar à beira da falência completa, junto com alguns Estados da federação. O voto, um ato envolto de magia e celebração na redemocratização, hoje parece significar um cheque em branco para pessoas que, via de regra, agem sem qualquer necessidade de prestação de contas ao eleitor. A economia do país se encontra em uma das piores, senão a pior, recessão de sua história. Um grave efeito colateral destes fatos citados é um decréscimo alarmante da confiança do brasileiro na democracia. Em um ano, segundo pesquisa divulgada no jornal espanhol El País, o apoio ao regime democrático pela população caiu de 54% para em 2015 para 36% em 2016 – o segundo menor índice da América Latina, atrás apenas da Guatemala. Segundo a mesma pesquisa, o Brasil também possui o menor grau de confiança interpessoal, isto é, em relação aos nossos concidadãos, com míseros 3% (a média do continente é de 17%). A desconfiança parece ser tão generalizada que foram comprovadas frequentes adulterações criminosas em alimentos como a carne e o leite, fazendo-nos suspeitar até do próprio alimento que chega à nossa mesa.

Todas essas dificuldades que menciono contrastam em um ponto fundamental com as dificuldades da década de 1980: a esperança. Ao passo que no período da redemocratização tínhamos capacidade de acreditar e nos mobilizarmos, como as Diretas já ou até nos fiscais do Sarney, hoje não possuímos nada que chegue perto a isso. Testemunhamos de perto a falência da Nova República, incapaz de reformas vindas de dentro. Estamos estagnados pelo sistema político e pela nossa própria descrença. A descrença frustra, paralisa e é incapaz de produzir alternativas. Chegou a hora de testar até as últimas consequências o ditado que diz que o “brasileiro não desiste nunca”. Talvez um dia os textos aqui passem a ter um tom diferente, com frases que apontam para um futuro que saiamos desse pântano. Mas não por enquanto, não agora.