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Colunista 15/07/2017 11:17
Por: Marcos Rolim

Em nome da República

(Publicado originalmente em ZH de 22/23 de abril)

As delações da Odebrecht revelaram uma parte do submundo da política brasileira. Fomos apresentados a um dos esquemas mafiosos que dominam a política nacional há décadas. Há outros que, se espera, venham à tona também. É preciso estar atento, primeiro, para o fato de que a lista de Janot não dá conta de todos os políticos corruptos e, segundo, que nem todos os citados pelos delatores praticaram, efetivamente, algum delito. Quando isso for demonstrado, e o Poder Judiciário absolver alguns dos citados, não se dará à decisão um centésimo da importância da denúncia, o que, entendo, também diz algo de ruim sobre todos nós.

O quadro mais amplo revelado agora serviu, pelo menos, para que os discursos mais simplificados e manipuladores fossem desmascarados. Os que afirmaram que a degradação da política brasileira estava concentrada no PT e que se alinharam aos assaltantes do Erário abrigados no PMDB, PSDB e PP, para citar os mais “valorizados”, submergiram suas barbas no molho. Já o discurso construído pelo PT e assumido por quase toda a esquerda segundo o qual a Lava Jato era uma “armação” voltada contra o partido, ou mesmo uma conspiração da CIA e do capitalismo internacional, como chegaram a afirmar alguns socioconfusos, se desmanchou no ar.

Faz muito, tenho insistido que a polarização dos últimos 20 anos, entre os blocos liderados por PT e PSDB, é artificial e que esses grupos se parecem muito mais do que gostariam. As delações da Odebrecht são a evidência disso. Uma terrível evidência, que, exatamente por sua radicalidade, precisa ser tratada para além das estratégias de defesa dos atingidos. O que se deve reconhecer é que, com a Lava Jato, o sistema político brasileiro foi fulminado. O sepultamento exigirá uma Assembleia Constituinte exclusiva para a reforma política, com cidadãos e cidadãs representantes que não serão parlamentares. Até lá, os políticos tradicionais serão como zumbis. Independente dos seus erros e das iniciativas espetaculosas recepcionadas acriticamente pela mídia, a Lava Jato é um marco histórico cujo sentido mais amplo é o da afirmação da República; ideal civilizatório que, entre nós, segue sendo um mistério.

Já se trabalha, claro, por um compromisso que salve as principais lideranças envolvidas, a começar por Temer, Lula, Aécio, Alckmin e Renan. Nesse movimento, PMDB, PT e PSDB estão unidos como irmãos siameses. Não se sabe se eles terão a capacidade de construir mais uma página da conciliação entre as elites, mas, se a Lava Jato chegar ao Poder Judiciário, especialmente ao STF como se vislumbra, aumentarão as chances de uma pizza sob medida para a diretoria.

Em tempo

Interessante a insistência da Odebrecht em doar ao “Caixa 2”. A preferência não tem a ver com eventuais limites de doação, mas com razões pragmáticas: legalmente, muitas empresas sempre doaram somas idênticas, especialmente para os principais candidatos majoritários. Assim, independentemente dos resultados da eleição, asseguravam créditos (inclusive, a disposição do governante de não fazer, sempre que fazer significasse “criar dificuldades”). É com as doações ilegais, entretanto, que muitos empresários manifestam suas preferências efetivas. Um efeito agregado é uma melhor “amarração” do eleito que se sabe coautor de crime eleitoral.

II. Com as delações, aumentaram os riscos de reeleição, o que estaria estimulando o Congresso a instituir o voto em lista, em substituição às escolhas nominais que caracterizam os pleitos no Brasil. A ideia tem sido repudiada pela ampla maioria dos comentaristas e, no senso comum, se reproduz o juízo de que o voto em lista seria um retrocesso. É o que ocorre quando não promovemos debates criteriosos. Penso, pelo contrário, que a votação em listas partidárias seja uma das mais importantes reformas políticas a serem feitas no Brasil (ao lado do voto facultativo, das listas independentes e da proibição da reeleição para o mesmo cargo, inclusive no Parlamento). Neste caso, eventual intenção oportunista deste ou daquele parlamentar nada diz sobre os efeitos prováveis da reforma. O voto em lista - que acompanha, não por acaso, grande parte dos países democráticos e mais desenvolvidos - politiza as disputas eleitorais, estimulando a consciência da cidadania. É a única forma de termos, a cada pleito, uma dúzia de campanhas e não milhares de campanhas como ocorre hoje – o que reduziria imensamente os custos pressupostos, viabilizando o financiamento público e reduzindo a influência do corporativismo. É a forma, também, de se punir os partidos que formarem listas não virtuosas e de assegurar que os eleitores saibam quem irão, de fato, eleger. Pelo sistema atual, se vota em um candidato, mas a grande maioria dos eleitores elege outro que se aproveita do quociente partidário. Para começar o debate, se deveria lembrar que chegamos aonde chegamos com o voto nominal. Terá sido um acaso?

III. A tendência mais provável é a de que as eleições de 2018 promovam as chances de “outsiders”. Lideranças, em síntese, não identificadas com o sistema, que “correm por fora” da tradição. Há riscos nesse processo? Evidentemente. Teremos em 2018, por exemplo, pelo menos uma candidatura fascista com militância e base popular, o que tende a promover tensões inéditas. Uma conjuntura eleitoral que nos colocasse novamente diante das velhas raposas seria, em qualquer circunstância, muito pior. Lamentar o ocaso das lideranças políticas tradicionais é, no quadro brasileiro, o mesmo que falar em nome do Poder. Entendo que os democratas devam escolher outro lugar de fala.