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Colunista 28/04/2017 09:09
Por: Ângelo Savi

O problema são as pessoas

Em 1940, a Alemanha havia triunfado em quase toda a Europa. Um a um, seus inimigos foram esmagados. A Inglaterra, necessitando sair da defensiva e mostrar alguma força, tentou tomar a base naval de Narwik, na Noruega, numa ofensiva que acabou fracassando. Em seguida, a Alemanha passou como um trator de esteiras sobre a Holanda e a Bélgica, com o objetivo de alcançar o grande prêmio que era a França. Na invasão da França, o exército inglês, que estava lá para lutar com os alemães, por muito pouco não foi destruído, pois, cercado em Dunquerque, só lhe restava a alternativa de se entregar para não morrer. A sorte sempre é benvinda, e ainda mais na guerra. Um vacilo de Hitler, que determinou a suspensão do ataque aos ingleses, num erro que até hoje os historiadores não sabem explicar, permitiu que eles escapassem pelo mar. A burrice tem preço alto, e o exército inglês, que poderia ter sido destruído, pôde se reorganizar, e o resto da história é sabida.

Devido à sucessão de calamidades marciais, o parlamento britânico resolveu votar uma moção de desconfiança ao governo do primeiro-ministro Neville Chamberlain. O parlamentarismo tem essa peculiaridade: o governo pode ser defenestrado a qualquer momento por voto de desconfiança. O governo venceu por uma maioria de 81 votos, mas 30 parlamentares do próprio partido governista votaram a favor da queda e outros 60, também da sua base, se abstiveram. O primeiro-ministro renunciou porque estava perdendo apoio. Saiu de cena porque a plateia começou a vaiar, embora tenha sido rejeitada a moção de censura. E mais: após renunciar, se ofereceu para trabalhar no novo governo como subordinado.

Há mais exemplos vindos da Inglaterra: em 1990, a primeira-ministra Margareth Thatcher, por divergências com seu próprio partido, foi obrigada por ele a renunciar, e em 2007 o primeiro-ministro Tony Blair renunciou pela mera probabilidade que se vislumbrava de que o seu partido, o Trabalhista, perdesse as próximas eleições. Recentemente, o também primeiro-ministro David Cameron renunciou espontaneamente porque defendeu a permanência britânica na União Europeia, o que foi rejeitado em consulta à população. Para quem não sabe, o cargo de primeiro-ministro equivale no Brasil ao de presidente. Neste histórico de renúncias, os renunciantes deixaram o cargo só pelo fato de ter aumentado a rejeição ao seu governo. Não foi preciso que uma maioria, seja do parlamento, do povo ou do partido mandasse um recado explicito de que não queria mais aquele governo. Nem necessidade de lei obrigando à renúncia. Trata-se unicamente de autocrítica e dignidade. Os ingleses sabem a hora de sair e assim poupam o trabalho de que alguém tenha que lhes mandar embora.

Como todos sabemos, o que acontece o Brasil discrepa dos costumes britânicos. Fernando Collor e Dilma Rousseff, para mal dos pecados o primeiro presidente eleito depois de mais de duas décadas de ditatura e a primeira mulher a assumir a presidência, resistiram com tenacidade de buldogue em seus respectivos processos de impedimento, com a tática de acusar seus adversários e coisas piores, muito piores, como se erros fossem compensados por outros erros. Não hesitaram em tentar comprar votos sem pudor algum, o que é inimaginável na Inglaterra ou em outros países civilizados. Noticiam-se estas coisas como fatos corriqueiros porque são mesmo corriqueiros. Nenhum político no Brasil, nem que Satanás o aponte como seu protegido, deixa seu cargo a não ser obrigado.

A explicação para o fenômeno é a pura e simples falta de vergonha na cara. E falta vergonha aos políticos porque o povo também não a tem. Fernando Collor, passados oito anos de inelegibilidade como efeito de sua cassação, candidatou-se ao senado e foi eleito. A violência que é um processo de impeachment não foi suficiente para intimidá-lo e muito menos para que o povo o julgasse mal. Tanto não intimidou que novamente se envolveu em obscuras operações de propina, o que o leva à iminência de ser réu. Provavelmente se for condenado e preso será eleito novamente após ser solto.

No início de maio, Lula será interrogado em Curitiba em um dos vários processos em que é réu. Os seus admiradores prometem apoiá-lo mediante manifestações gigantescas. Há notícias de que será necessário o exército para conter a multidão. Se o Brasil fosse composto de pessoas normais, dentre elas os partidários de Lula, elas se sentiriam embaraçadas por seu ídolo ser acusado de praticar crimes enquanto e por ser presidente.

É por isto que não há lei, nem processo criminal, que possa alterar o escândalo vergonhoso que é a política no Brasil. Para os políticos vale a pena roubar porque, mesmo se forem condenados, não serão impedidos de continuar fazendo o que sabem fazer, que é a política. Os políticos são o que são justamente porque o povo não hesita em reelegê-los, pouco se importando com o que fizeram. Mudar a mentalidade de uma população é tarefa para muitas gerações, e assim, o mais provável é que até nossos netos, ou mais adiante que eles, tudo continue como está.