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Opinião 17/04/2017 16:22
Por: Redação

Segunda Carta ao Coronel Mena Barreto (Oficial da Reserva do Exército Brasileiro)

“O rio está a virar um escombro e, se nada for feito, um dia só tratores é que irão andar no seu leito. A partir de então, ou mudamos de atitude, ou mudamos de município para garantir a água nossa de cada dia”.

Por Prof. MSc. Eng. Daniel Brinckmann Teixeira

Brasileiro, Gaúcho e Candelariense

Daniel-Teixeira@Uergs.edu.br

A história universal comprova que os povos que se desfizeram de seus recursos naturais, cujos maiores exemplos são o rio e a floresta, empobreceram, se tornaram escravos e desapareceram do mundo

Henrique Luiz Roessler no ano de 1957

Ambientalista que dá nome a nossa Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM/RS)

 

Senhor Coronel, espero que esta carta te encontre bem, gozando de boa saúde, estando em paz e harmonia. Já passava muito tempo sem te escrever e, por conseguinte, sem trocarmos notícias. Hoje é o dia para te explicar as razões que ditaram o meu silêncio e contar algumas novidades. Escrevo novamente para inteirá-lo dos desdobramentos acerca do tema rio Pardo, no qual pouco ainda avançamos e, também, aproveitando o momento, coloco-o a par das perspectivas futuras que se horizontam.

Acredito que o senhor, assim como a maioria dos demais candelarienses, deve estar sobremaneira preocupado com a questão da água, uma vez que outro verão se vai e persiste a inexistência de Gestão Ambiental quanto à questão do rio. No ano de 2005, o município de Candelária, bem como todos os demais municípios do Estado do Rio Grande do Sul, passou por um período prolongado de seca, enfrentando inclusive a falta de água para o consumo humano (racionamento de água, para os que têm memória curta). O nosso estado se assemelhou bastante ao Sertão nordestino, pois, em muitos locais, os açudes secaram e a terra rachou. Na época, em nosso município, existiu até um barramento de água mal concebido, com lonas e cascalho, com o objetivo de elevar o nível de água do rio, permitindo a captação pela adutora da CORSAN. Na mesma ocasião teve, também, multa para a prefeitura por executar esse barramento do rio sem licença ambiental alguma dos órgãos superiores competentes.

Coronel, quero te dizer que, em linhas gerais, a história persiste a mesma nessas últimas décadas. Os crimes ambientais no leito e nas margens do rio, por parte da prefeitura (alguns exclusivos), se repetem, e quem paga essa conta (multas ambientais de toda ordem e valia) é o erário público, dinheiro do contribuinte. Senhor, os responsáveis continuam saindo impunes e não vislumbramos sinal de melhoria. Após 12 anos da grande escassez de água que nos assolou no ano de 2005, Candelária não conta com nenhuma ação de curto, médio ou longo prazo, a não ser um Plano Municipal de Saneamento Ambiental (Lei nº 11445/2007) que ainda consta tão somente no papel, que possa nos indicar uma mudança de conjuntura, permitindo a conservação do rio e viabilizando o recurso de água potável para as gerações que sucederão.

Parara de escrever, senhor, porque, como bem sabes, nesse país, quando se escreve o que não agrada ao sistema, tentam te cortar os membros todos, principalmente as mãos, para não voltar a escrever. Nesse caso tive boa sorte. Não me amputaram nem as mãos nem as pernas e o mesmo não me fizeram com a cabeça. Não obstante tal sorte, cercaram-me e isolaram-me, mas isso é o de menos. Assim, com medo ainda de me fazerem o pior, vou apenas te contar umas poucas novidades.

Desde a manifestação realizada pelo senhor na Câmara de Vereadores, no mês de abril de 2016, venho escrevendo alguns textos como enfrentamento à questão da mineração irregular no rio, que se utiliza de um decreto estadual de 2015 (de nº 52701/2015 e que expira em julho de 2017) para dar aparência de legalidade às atrozes ações cometidas sob pretextos fajutos. Esperávamos alguma tomada de ação por parte de nossos administradores e, quem sabe, até mesmo uma revolução na maneira de governar as coisas do ambiente por aqui. No entanto, o que temos por ora é uma indiferença ameaçadora, pois os poderes, executivo e legislativo (os governantes), parecem estar (e estão!) nem aí. Ainda por cima, a cada sessão ordinária onde se reúnem, tão somente sabem solicitar cascalho para as obras de toda monta (estradas, aterros, contenções, etc...), sem nunca se questionar de onde provém o recurso natural e qual o custo ambiental deste dito progresso que insistimos em instalar a qualquer custo. Quais os danos (atuais e futuros) que essa atividade acarreta ao ambiente e à própria saúde pública coletiva? No entanto, alguns políticos ainda insistem em anunciar como triunfo a catástrofe ambiental forjada a troco de cascalho e, sem sombra de dúvida, alguns votos fáceis em pleitos futuros.

Coronel, insisti por diversas vezes em ocupar um espaço, a exemplo de ti, senhor, na dita casa do povo. Solicitei esse momento imaginando poder expor o assunto de forma técnica e, quem sabe, iniciar um trabalho coletivo, debatendo juntamente com a nova gestão e sua comunidade em prol do rio Pardo. No entanto, dei de cara com a porta! Alguns dos representantes do povo, devidamente eleitos, que ali se encontravam se comportaram como ratos que se escondem nas alcovas e porões fétidos, ao avistarem os seus predarores. Sumiram pelos corredores ou refugiaram-se em seus gabinetes, evaporaram com a facilidade com que o dinheiro some dos cofres públicos. Essa mesma Câmara de Vereadores que pede a aproximação da comunidade, fecha as portas na cara de um pacato professor, que só tende a contribuir e enriquecer essa terra da qual é filho orgulhoso. Com conhecimento de causa e pertencimento do tema, em particular no que tange ao rio Pardo, queria que soubessem, Coronel, que nada tem de otário o singelo professor. Apesar da cara e do andar de bobo, não engole discurso politiqueiro. Ora, o regimento interno da casa do povo não permite a manifestação popular? Pensem, então, em quão extraordinário é o regimento interno que temos em nossa Câmara: o espaço representa a população, conquanto não prevê espaço para que a população se represente. E a autonomia da expressão? Foi para o brejo...

Coronel, se mantivermos o mesmo comportamento no trato com o rio, o povo perecerá sem água em Candelária. A morte do rio representa também a morte da soberania, da independência de um povo. A morte dele acarreta a morte da agricultura, da pesca, do saneamento básico, da saúde, da educação, do comércio, da indústria, da economia, do turismo e do lazer. Agora, enquanto te escrevo, o rio segue a morrer, condenando o futuro de diversas pessoas. Pessoas essas que, ao condenar o rio e a natureza, estão condenando a si próprias e, injustamente, aos seus filhos e netos.

Queria apenas deixar registrado, senhor, que, em síntese, as coisas continuam na mesma! Temos poucos sinais de melhora no trato com o rio. Até o presente, devemos nos contentar com uma bela placa amarela (afamada), referenciando um decreto que não é cumprido e concedido por uma portaria estadual generalista. Em alguns momentos as coisas são até piores, como, por exemplo, a partir do dia em que voltaram (a prefeitura, sob alegação de recuperação ambiental e uso público do recurso mineral) a minerar na área do antigo pontilhão. Pouco tempo atrás, nesse mesmo local, uma empresa privada foi autuada em ação conjunta de fiscalização da FEPAM-SEMA (Fundação Estadual de Proteção Ambiental - Secretaria Estadual de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável/RS), DEFAP (Departamento de Florestas e Áreas Protegidas) e PATRAM (Patrulha Ambiental da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul), e proibida de retirar cascalho no local por abusar da licença que lhe pertencia. Ali o rio estava se recuperando! Por sua vez, a prefeitura achou melhor, por bem de seu direito, executar aquilo que os particulares foram impedidos e, terminantemente, proibidos de fazer: minerar no local acima da prainha, voltando a devastar nosso ponto turístico em troca de benesses a particulares, com o velho e sábio ensejo de serem todas obras públicas para uso comum. Esse local é atrativo à prefeitura e, também, a empresários gananciosos, para suas ações criminosas e tácitas, pois permite a extração de forma rápida e barata. O cascalho está em lavra a céu aberto e o custo único é carregar com a escavadeira os inúmeros caminhões que agridem, diária e constantemente, o NOSSO rio Pardo. É isso que temos a oferecer aos NOSSOS cidadãos? É isso que temos a apresentar aos NOSSOS visitantes? É por esse caminho que conseguiremos explorar o turismo (agroecológico e de aventura) sustentado em nossa cidade?

Quem sabe, senhor, investir em estrutura e licenciamento ambiental (prévio, de instalação e operação) de uma cascalheira seria um excelente começo e, uma peculiar oportunidade, de demonstrar vontade política de fazer o novo. Isso nos traria o recurso necessário (cascalho de boa qualidade e em diferentes granulometrias) sem afetar o importante recurso natural que se constitui o rio Pardo. Porque insistir nessa covardia com o rio, sendo que as soluções de Engenharia e Gestão Ambiental se apresentam como via para consolidar o real desenvolvimento sustentável?

Senhor, temos registros históricos dos abusos de licença e desconsonância com as parcas licenças ambientais concedidas ao longo das últimas décadas. São fotos e vídeos de extração mineral que confirmam os abusos denunciados, como por exemplo, extração no dia 07/09/2015 (em pleno feriado), devastação de mata ciliar em setembro de 2016, bem como de outras ações realizadas em favor do bem comum. Ações que demonstram na prática o desconhecimento da legislação ambiental e o total desprezo por ela. Ações que têm seu início nos idos anos de 1980 e tal, se configurando, desde então, como crime ambiental (a Política Nacional de Meio Ambiente data de 1981 e o nosso Código Florestal de 1934) prevendo as devidas punições, como, por exemplo, sanções administrativas pelos abusos de licença. Os que ganham para nos representar e promover o bem-comum, mais uma vez, entregam o recurso que viabiliza nossa vida (a água!) por um punhado de cascalhos (leia-se votos). E, sobre todas as coisas, têm passado impunes, todos. Assim seguem comercializando o NOSSO rio e seus valiosos recursos minerais. Estimativas subdimensionadas dão conta de que, ao longo dessas décadas, já retiramos do rio alguns milhões de reais. O senhor Coronel, cidadão de Candelária, tem visto a cor desse dinheiro? Tem visto algum investimento retornando para a cidade em saneamento, saúde, segurança e, principalmente, educação? Se tiver visto, me avise que preciso ir lá ver...

Mas, em meio a tudo, senhor, a vida vai andando. A cidade de Candelária continua forte e pujante. Seus filhos também o são, sempre trabalhadores fortes, aguerridos e bravos. O sonho de um rio limpo, assim como aquele de uma cidade próspera, ainda não foi enterrado com a empáfia, moléstia e confiabilidade dessa classe política. Vá que não vá, as coisas hei de melhorar, a cada dia que passa. Sabemos que o rio está esgotado e que ele sobrevive à sina de enfrentar o seu convívio conosco. Eventualmente, ainda existe espaço e tempo para despertar e, quem sabe, viemos a experimentar alguma mudança positiva. O rio está completamente abandonado. O rio está a virar um escombro e, se nada for feito, um dia só tratores é que irão andar no seu leito. A partir de então, ou mudamos de atitude, ou mudamos de município para garantir a água nossa de cada dia.

No entanto senhor, há coisas, porém, que melhorarão em seguida. Temos fé de que, com a perspectiva sólida do ajuizamento das denúncias de alguns dos crimes cometidos junto ao rio, a prefeitura dê satisfações a quem, inviolavelmente, tem obrigações de prestar seus esclarecimentos, já que não o faz aos seus cidadãos de direito. Que tenhamos um ministério público (municipal, estadual e federal) atuante também na área ambiental. Quem sabe, a partir de então, Coronel, o executivo pare de executar o rio. Quem sabe, a partir de então, passem os legisladores de fato a fiscalizar a atividade, sem se aliar, sem ser conivente ou deixar-se alienar. Quem sabe, a partir de então, passem a realizar a extração de forma ambientalmente mais adequada (consciente) e o novo deixe, realmente, de nascer velho no trato com os NOSSOS bens ambientais.

Ainda aguardando as devidas providências (todas elas perfeitamente cabíveis) por parte de quem as cabe, me despeço e hoje termino por aqui, senhor. Depois voltarei a escrever para te contar sobre o andamento da vida e dessa luta por Candelária. Assim permaneço, um fraterno abraço.

PARA REFLETIR - SOBRE A ESTRADA DA LINHA DO RIO (VRS 858): Será que o rio que ameaça a conservação das estradas ou as estradas marginais que ameaçam o rio? Vale investir tanto em uma ação pontual (jogar rochas para dentro do rio) que não surtirá o efeito desejado, pois, em breve, o rio torna a fazer o seu caminho de acordo com o seu querer, alheio à nossa vontade. Seria (ou é?) solução para o desafio, amplo e abrangente, que se constitui manter o rio Pardo vivo, aterrar suas margens, forçá-lo a traçar um caminho que não é o natural? Ah, e isso, sem contar o alto investimento para tal ação. Será que ninguém da administração pensou em indenizar os donos das terras na Linha do Rio e propor um novo traçado para a estrada? Quem sabe os valores seriam inferiores do que ficar investindo em pedras atiradas à beira da barranca do rio ao longo dos anos...

Assim, quem sabe, sobre para investir na educação e formar candelarienses mais capazes do que nós a tratar com esses desafios no futuro!