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Colunista 11/05/2017 17:46
Por: Ângelo Savi

Democracia

O fator estrutural que mantém qualquer regime político é a aceitação da população. Não se trata de eleger representantes como nos regimes democráticos, mas de aceitação mesmo, pois de outra forma não se pode explicar como o povo de um país inteiro se submete às ordens de uma minoria de políticos e burocratas.

Para comprovar, basta buscar exemplos em regimes de força em que o governante foi defenestrado – mesmo detendo o poder totalitário – por ter perdido apoio do povo. No Egito antigo o faraó Akhenaton foi provavelmente morto por nobres integrantes da corte imperial por ter imposto a adoração de um deus único, Aton, contrariando a tradição politeísta do país. No Egito contemporâneo, o ditador Hosni Mubarak foi derrubado pelo povo, que cansou de seu desgoverno. Luís XVI, que, mesmo reinando pela graça de Deus, segundo o consenso da época, foi deposto e decapitado pela Revolução de 1789.

A fórmula usada tradicionalmente para definir democracia como sendo o governo do “povo, pelo povo e para o povo” é ingênua, para dizer o menos. O povo não governa, o máximo que o povo faz é escolher os governantes. Embora na teoria o poder seja acessível a todos, que seriam livremente elegíveis, isto não acontece de fato: a população está envolvida demais em seus problemas cotidianos e não tem tempo nem disposição para dedicar-se à política que acaba sendo exercida por profissionais. Os governantes, numa democracia, fazem parte de uma casta especializada em política, e, além do mais, há todo o aparato partidário que filtra e determina quem pode e quem não pode se eleger, segundo suas conveniências.

democracia, como conhecemos, foi a forma encontrada para que não se chegue ao governo por hereditariedade, como nas monarquias, ou por hereditariedade e também por ser considerado deus, como no Egito antigo, ou pela força, como nas muitas revoluções ou invasões que já aconteceram, como na Inglaterra invadida e tomada em 1066 por Guilherme O Conquistador.

Ou seja, se na democracia há uma indicação e um consentimento formal, em qualquer forma de governo tem de haver pelo menos um consentimento tácito. Quanto ao estado, ele se caracteriza em qualquer regime pelo monopólio do uso da força num determinado território. Claro que há uma gradação tanto na questão relativa ao assentimento do povo aos governantes quanto à força. Não há alternativa em quem governará quando se trata de monarquia, ao contrário da democracia, mas mesmo assim, nesta, as escolhas são limitadas. E, quanto à força, certamente na Coreia do Norte ela é totalmente despótica, ao contrário do que acontece no ocidente democrático. Na Coreia este artigo seria impossível, e, se fosse publicado, o autor seria fuzilado. Mas mesmo assim somos coagidos pelo estado democrático, o que pode se constatar se sonegarmos. Quem o fizer será processado, e se não pagar os impostos, acrescidos de pesadas multas, perderá seus bens. Assaltar ou cobrar impostos são ações da mesma natureza: em ambas, alguém é privado coativamente de seus bens, sendo indiferente para quem é assaltado ou obrigado a pagar impostos se no primeiro caso o produto do assalto é usado para o bem do assaltante, ou se no segundo, para esta falácia chamada de “bem comum”. Nos dois casos a pessoa é coativamente despojada do que tem.

De modo que o que existe é uma gradação da intervenção estatal na vida privada, que vai, por exemplo, desde a branda e extremamente democrática Suíça até a intervenção total que Cuba exerce sobre a vida de seus cidadãos. Mas sempre, em qualquer situação, o que caracteriza o estado é o poder que ele tem de intervir na vida das pessoas. Só o que contrabalança este poder é o consentimento dos cidadãos. Na citada Suíça os governantes não se atrevem a se imiscuir na vida privada porque sabem que imediatamente após qualquer tentativa neste sentido serão apeados do poder. E a possibilidade efetiva de que o governante seja deposto é o que realmente caracteriza a democracia.

A conclusão é a de que no Brasil, em que pese sejam seguidos os ritos democráticos formais, vivemos em uma democracia rudimentar. O estado intervém fortemente na vida de todos, e só depois de ter feito muito desmando (e nem sempre), mas muito mesmo, um governante perde o poder.