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Colunista 31/03/2017 14:44
Por: Wagner Azevedo

A Democracia terceirizada

Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4302/1998, que regulamenta a terceirização, ou então permite a “terceirização irrestrita” do trabalho. Anteriormente, empresas poderiam terceirizar as chamadas atividades-meio – como limpeza e segurança -, porém, com a nova lei, todas as atividades podem ser terceirizadas, inclusive atividades-fim. Para exemplificar: uma escola particular não necessariamente precisará contratar e assinar a carteira de trabalho de seus professores, poderá contratar uma “empresa escolar” que forneça essa mão de obra. Basicamente: o fluxo de emprego aumenta, os encargos trabalhistas que incidiam diretamente às empresas são reduzidos, e as empresas de terceirização podem aumentar seu efetivo e possibilitar maior transição dos seus empregados em diferentes funções. Pelo lado do trabalhador, aumenta-se o distanciamento na relação de patrão e empregado, diminui-se o salário e fragiliza-se a proteção e garantia dos seus vínculos empregatícios – uma vez que não são poucas as empresas de terceirização que fecham e “somem” sem pagar as garantias a seus funcionários.

Ainda em um cenário de crise econômica internacional, o conserto da economia perpassa por políticas nacionais de mútua construção. Alguns dados apontam como isso reflete na situação econômica do país: uma grave recessão com queda de 3,6% no PIB em 2016, uma crescente dívida pública e o índice de desemprego já supera 13% na população geral. A necessidade de superação da crise é de todas as camadas da sociedade, portanto as políticas nacionais devem ser parte de um “projeto de nação”. Entretanto, muito se questiona a existência de “uma nação brasileira”. Assim pensar um projeto a essa “nação” torna-se privilégio de poucos. Os agentes das reformas da previdência, do ensino médio, política, trabalhista, do congelamento de gastos e da terceirização irrestrita estão no Congresso Nacional. Este é composto por 80% de homens, de cor branca, 50% declaram-se políticos profissionais; depois, a segunda maior classe é de empresários, seguida por agropecuaristas – e destes sem analisar a produtividade e a extensão de suas terras, devido ao perfil dominante, deduzimos que sejam latifundiários.

A composição do Congresso Nacional evidencia o distanciamento da realidade demográfica brasileira e agrava-se ao pensarmos que um projeto de nação se faz nas mãos destes: terceirizados por nós. Em uma concepção ética e moral da política, a superação de crises e construção de projetos que tangem 200 milhões de pessoas, de diferentes estratos e condições sociais, em um país de vasta extensão territorial e com elevadas disparidades históricas, econômicas e culturais, jamais poderia estar sob responsabilidade de pouquíssimos homens, brancos, políticos profissionais – ora, desde Aristóteles se sabe que todo ser humano é político por natureza –, empresários e ruralistas. Pois a riqueza da diversidade de um país estagna-se em seu conhecimento, e potencial, nas mãos de poucos. A riqueza histórica de um país construído diariamente por muitas mãos, em muitos cantos desses país, é submetida ao luxo daqueles que decidem seus direitos e deveres, e ainda autodeterminam isso como profissão.

Cientistas políticos conceituam esse sistema como uma democracia representativa. Logicamente, não somos 200 milhões que construiremos leis. Elegemos aqueles que nos representam. Porém, nesse panorama de crise, em que o lado do trabalhador é o menos representado, em que o congresso aprova aproximar as condições de vida do trabalhador à escravidão, a fazê-lo pagar uma conta de toda uma nação, em que o Estado, na aliança do Legislativo com o Executivo, se torna vilão e agride diretamente à sua população: não há representatividade.

Pois bem, se a política no Brasil é feita de profissão, essa mão de obra é terceirizada, mas muito mais cara e com muito mais direitos. A política dos movimentos sociais, dos sindicatos, dos diretórios estudantis, dos conselhos populares e de qualquer pequena comunidade não tem espaço, não tem emprego, tampouco aplicação direta nesse projeto de nação.

Para encerrar, um dado importante: a terceirização mata 4,5 vezes mais que o trabalho formal. Que a população brasileira efetive seus direitos pelas próprias mãos. Sem terceirizar o nosso projeto.