Leite espiritual adulterado

Reflexões sobre o feriado da Reforma Luterana
A adulteração do leite, com o acréscimo de soda e de água oxigenada, deixou a população brasileira perplexa. A notícia se espalhou e foi amplamente comentada. Alguns chamaram o crime cometido de hediondo. A perplexidade se justifica uma vez que o alimento é base para as crianças. A ganância do ser humano parece não ter limites.
A Reforma Luterana, comemorada no dia 31/10, tem um contexto parecido. Porém, ao invés de ocorrer uma adulteração de um alimento básico para o corpo, aconteceu uma adulteração do alimento básico para a alma, a saber: a Palavra de Deus. Em nome da ganância, a Palavra foi adulterada. Vários preceitos e ensinamentos estavam distorcidos. O mais hediondo ganhou o nome de indulgências - venda do perdão dos pecados. Trata-se de uma evidente adulteração da Palavra de Deus. A fim de conseguir fundos para a construção da basílica de São Pedro, o papa Leão X autorizou a venda de indulgências. Na verdade, isto já era uma prática na igreja - uma prática errada, por sinal, estragada, que precisava ser reformada.
As indulgências não eram a única adulteração. Outros elementos eram acrescentados ao leite espiritual. Vários eram os ensinamentos humanos, mesquinhos e supersticiosos acrescentados à genuína Palavra de Deus. Lutero foi um dos homens que realizou a denúncia destas fraudes. Outros haviam feito anteriormente, mas foram calados pela Inquisição, quando alguns foram presos, outros foram queimados. Lutero não criou nada novo, apenas denunciou a adulteração da verdade. A denúncia oficial aconteceu no dia 31 de outubro de 1517, há 490 anos. É por isso que comemoramos a Reforma neste dia.
A denúncia de Lutero foi feita em forma de 95 teses escritas e anexadas à porta da Catedral de Wittenberg. Fez isso com a sincera intenção de reformar a sua amada Igreja. Mas, não foi possível! Contudo, uma vez revelada ou restaurada, a verdade não pode permanecer oculta. Por isso, com milhares de pessoas que perceberam que de fato o leite espiritual da Palavra de Deus estava sendo adulterado, Lutero continuou sua proclamação, e por causa dela surge oficialmente a Igreja que ficou conhecida pelo nome de “luterana”. Lutero contrariou-se com tal nome, contrariou-se com tal apelido. Ele afirmava em suas cartas e pregações que seria uma desonra serem chamados de “luteranos”, pois ele não passava de mais um pecador. Cristo é quem os salvou morrendo na cruz, por isso, a Igreja deveria ser chamada simplesmente de cristã.
Apesar do apelido, os luteranos são cristãos que herdam a Palavra de Jesus e lutam para que o alimento espiritual seja gratuitamente entregue, sem nenhuma adulteração. Assim proclamamos que a salvação não é um mérito da pessoa (Ef 2.8-9); afirmamos que ninguém pode ser considerado melhor do que ninguém; antes, o ser humano deve considerar-se pobre e miserável pecador (Rm 3.23). Afirmamos, porém, que somos salvos pelos méritos de Cristo, que é nosso Salvador. Esta salvação é gratuita no sentido de que não a compramos com dinheiro ou obras, pois Cristo Jesus já pagou com seu próprio sangue (1 Pe 1.18-19). Afirmamos, conforme nos expressa a Palavra de Deus, que esta salvação nos é conferida com o perdão dos pecados e que nos apropriamos do perdão por meio da fé (Rm 3.28). A fé impulsiona o verdadeiro arrependimento. Diante disso, permanecem os alicerces da Reforma e da Cristandade: Somente a Escritura - Somente a Graça - Somente a Fé!
Que Deus abençoe a todos nós, conferindo-nos força e perseverança, para que continuemos a lutar e a denunciar erros e fraudes, sobretudo os nossos próprios erros. Que continuemos a ouvir, proclamar e a seguir a Verdade que Liberta, a genuína Palavra de Deus - Leite que alimenta nossas almas.