Logo Folha de Candelária
25/08/2009 16:56
Por:

Venturas e desventuras de pescarias

(Parte 1 – Coisas que não se pode esquecer)
Se é que existe reencarnação, certamente em alguma delas fui um martim-pescador, um pingüim ou mesmo um urso, de tanto que gosto de peixe. Digo isso porque os caracteres hereditários não me foram tirados ao reassumir minha atual forma material, pois volta e meia se não ando falando em pescaria estou na lide fazendo filés, para me deliciar sob o gosto acre de algumas gotas de limão galego e, claro, um bom acompanhamento líquido. Mas entre a ventura de estar à frente de uma fôrma com crocantes pedaços de traíras e as desventuras por que passam os pescadores para tirar o peixe da água surgem muitas histórias. Atabalhoado por natureza e com uma certa deficiência em ordenar fatos, pretendo iniciar hoje e terminar não sei quando alguns fatos relacionados a pescarias. Primeiramente há de se dizer que escrever tem alguma relação com a pesca: nem sempre o que se escreve é bom assim como nem todo açude dá peixe.
Pescaria é um ritual que começa alguns dias antes da partida para o açude, desde que o dono da água liberou a chave da porteira e que só termina quando o sujeito toma aquela forma de charque: todo talhado por pontadas de anzóis e fedendo a fumaça de acampamento. Geralmente neste período você vai se incomodar bastante com sua mulher, que vai ficar enchendo o saco e dizendo que você prefere pescar do que ficar com ela. Isto é uma inverdade, porque se fosse assim, teria gente pescando 360 dias por ano e ficaria só cinco em casa, porque tem cada uma... Deixemos as mulheres de lado porque o assunto é pesca, então, vamos a alguns itens da lista dos afavecos e tralhas que se deve levar para que os contratempos naturais não aumentem ainda mais. Como cada pescador tem suas peculiaridades, existem listas diferentes, em algumas tem até microondas, panela de pressão e forma para pudim (neste caso, provavelmente a mulher ajudou a fazer a lista); já os mais campeiros não se esquecem da frigideira, panela de ferro e o sempre indispensável espeto para churrasco. No entanto, um artigo que não pode faltar é sabão ou detergente para lavar a louça. Digo isto porque tive uma experiência não muito feliz na última pescaria, quando tive que lavar a louça com shampoo. Outro fato muito importante quando se fala em conforto, é levar uma cadeira de praia de casa e não ficar esperando que os colegas levem. O resultado pode ser uma bunda achatada acompanhada por dor nas costas durante uma semana. A última pesca me ensinou também que nem todas as barracas são impermeáveis e só fui descobrir isso depois que caiu uma bomba d’água sobre a minha. O colchão ficou tão encharcado que se tivesse ido dormir na canoa não iria me molhar tanto, por isso, lonas extras e algumas cordas são igualmente indispensáveis no caso de alguma ventania acompanhada de chuva.
O “rancho” para uma pescaria também varia muito de pescador para pescador, mas muitos (e aí me incluo) preferem uma dieta rica em frutas calóricas como butiás, abacaxis e limões para agüentar o tranco da empreitada, que não é coisa fácil. O preparo é simples: pegue um litrão de cachaça de alambique, divida em dois. Numa destas medidas, coloque meia xícara de açúcar e as cascas de um abacaxi. Se quiser, pode substituir o abacaxi por butiás ou jaboticabas (que por sinal estão em franca produção nesta época). O resto da cachaça, guarde para colocar em um copo com meio limão galego e açúcar, cuja mistura, se acrescentado gelo, muita gente conhece por “caipirinha”. O primeiro sintoma dessas misturas é um falatório sem fim procedido por piadas bestas mas que, mesmo contada 100 vezes, faz todo mundo rir de novo. Depois vem a síndrome de Tarzan, que tem como principal característica a vontade de se jogar na água mesmo com temperatura de 5 graus. Quando as moitas de espinhos, caraguatás, coisas assim, começam a surgir do nada e se atravessarem na sua frente, é hora de parar de ingerir a mistura. Outro assunto que diz respeito à (des)hidratação são as latinhas de cerveja. Além de gelarem mais rápido, são bem mais leves do que as garrafas, cujos resultados podem ser desastrosos para algum dedão no caso de alguma trombada, além de economizarem copos, é claro. Para terminar o assunto “líquidos” Leve pelo menos um litro d’água potável no caso de precisar escovar os dentes e uns dois ou três litrões de refri, pois todos sabem que leva menos tempo para fazer um samba do que uma caipira. Quanto à bóia, qualquer pelanca serve pra fazer um churrasco para comer com pão, mas chuleta de ovelha, costela de gado e lombo de porco são sempre bem-vindos. Como meu poder de síntese é algo fora do normal, hoje vamos parar por aqui. Na próxima parte, a 2, falaremos sobre a pescaria propriamente dita, ou seja, pescar.