Logo Folha de Candelária
Rural 22/07/2022 09:26
Por: Odete Jochims

Meio rural, juventude no campo com olhar para o futuro

Depois de ter feito trabalhos como modelo em São Paulo e atuado na área de contabilidade em Santa Cruz do Sul, Jerusa Dittberner, junto de seu companheiro, Marlon Aretz, escolheram viver da agricultura.

  • Jerusa, Marlon e o cãozinho Barreiro: nova vida no meio rural

Uma das preocupações mais tradicionais da agricultura familiar é a permanência da juventude no campo. Segundo levantamento feito pelo IBGE em 2015, 85% da população brasileira já reside nas cidades. A tendência de aumento da população urbana se mantém, ainda que em quantidade e intensidade muito menores. Em meio a estas dinâmicas, entretanto, há também quem faça o caminho inverso: da cidade para o campo. Este é o caso de Jerusa Dittberner, 22 anos, e seu companheiro, Marlon Felipe Aretz, 24 anos. Nascida e criada em Candelária, na localidade da Rebentona, Jerusa teve uma infância muito alegre. “Aqui sempre foi muito tranquilo. Onde moramos, há uma pequena comunidade de famílias e, à época, éramos muitas crianças. O ponto de encontro costumava ser aqui em casa”, recorda com carinho.

Com 15 anos, Jerusa teve o primeiro contato com uma importante agência de modelos. “Depois disso, passei a frequentar Porto Alegre pelo menos uma vez a cada 15 dias”, conta. No ano de 2016, durante as suas férias escolares, a candelariense recebeu uma importante ligação: sua agência de modelos a convidou para ir a São Paulo. Jerusa não hesitou e correu para fazer suas malas. Enquanto suas colegas fizeram o trajeto de avião, ela foi de ônibus a São Paulo. “Eu cheguei lá e fiquei apavorada. A rodoviária era do tamanho de Candelária”, completa. Após 1 mês na capital paulista, Jerusa recebeu o convite para ficar. Ela até gostaria de ter permanecido, mas seus pais ficaram preocupados, pois estava lá sozinha e ainda nova teria que trancar os estudos. Sendo Jerusa menor de idade à época, seus pais acharam melhor que ela retornasse a Candelária.

Com a dedicação voltada para os estudos, a primeira opção de carreira para Jerusa era a agronomia. No entanto, quando se formou no Ensino Médio, o curso ainda não era oferecido em Santa Cruz do Sul. As outras opções para ela eram complicadas de alguma forma. Assim, Jerusa ficou com a segunda opção: estudar Ciências Contábeis. “Com 14 dias de aula, eu fiz uma entrevista em um escritório de contabilidade e comecei a trabalhar lá. Eu ainda nem sabia a diferença entre débito e crédito”, brinca. Assim, Jerusa foi morar em Santa Cruz do Sul para estudar e trabalhar. A estudante ficou por dois anos neste escritório e, próximo ao contexto da pandemia, iniciou um estágio em uma importante empresa de produtos agrícolas e sementes.

Jerusa conta que seu estágio era feito inteiramente em formato home office. Para não precisar pagar aluguel, decidiu retornar para a sua casa na Rebentona. Com o tempo, a empresa retornaria com o formato presencial. A essa altura do campeonato, Jerusa não queria mais voltar. Ela já se envolvia no trabalho da família, ajudando seu pai e sua mãe na agricultura. Jerusa, então, avisou seu namorado que havia decidido se estabelecer novamente na Rebentona e Marlon, por sua vez, comunicou que iria com ela. Todas essa mudanças causaram um friozinho barriga em Jerusa. Hoje, no entanto, descobriu que o lugar onde se criou era também o lugar em que queria estar.

Desde que começou a trabalhar em regime home office para seu estágio, Jerusa, sempre que possível, acompanhou seus pais na lida do campo. Atualmente, a família Dittberner planta arroz, tabaco e soja e, por isso, ela afirma ainda que tem muito a aprender – tanto no aspecto de plantio quanto nas negociações. Para tanto, segue de perto, com olhar e ouvidos observadores, a rotina de seus pais. Nesta última terça, 19, por exemplo, um agrônomo visitou a propriedade e Jerusa fez questão de seguir cada palavra. “Ele deve ter pensado: ‘o que essa intrometida está fazendo aí?’. Eu não quero perder nenhum detalhe, porque é muita coisa para aprender!”, brinca.

Mesmo sabendo que possui uma longa trajetória de aprendizado pela frente, Jerusa também já tem muito a agregar. Sua formação e experiência profissional impactam sobretudo na gestão e organização financeira dos negócios da família. A transição mais marcante se dá na praticidade e visão estratégica possibilitada pelas planilhas de Excel. Enquanto seu pai fazia o controle das transações à mão em um bom e velho caderninho, Jerusa passou, aos poucos, a tomar as rédeas destes processos.

Esse movimento, entretanto, não esteve livre de um pequeno choque geracional. O pai de Jerusa lida com naturalidade com celulares, mas não se sente em casa quando o assunto é computadores. Por isso, a contadora brinca que, com a informatização das planilhas, seu pai passa prestar contas para a filha. “Meu pai fica meio hesitante com a mudança, pois ele fez assim a vida toda. E eu digo que é por isso mesmo que nós vamos modernizar isso aí”, completa.

Jerusa segue estudando Ciências Contábeis, mas em formato de Ensino à Distância. “Agora que estou aqui, para mim é muito mais tranquilo. Por muito tempo, tive que me deslocar daqui da Rebentona para Santa Cruz do Sul. E o mais complicado era o ônibus”, revela. Hoje, ela faz o seu horário. É desse jeito que Jerusa, Marlon e o Barreiro, cachorrinho do casal que veio junto de Santa Cruz do Sul para a Rebentona, se adaptam, juntos, à rotina e ao trabalho da vida no campo. Antes de tudo, a família segue o principal ensinamento da agricultura: semear no presente para ter uma boa colheita no futuro.