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Colunista 04/01/2018 17:12
Por: Ângelo Savi

Se votar mudasse alguma coisa...

Eu pretendia não fazer o recadastramento biométrico determinado pela Justiça Eleitoral. Por duas razões: a primeira porque meu interesse em votar é nenhum. Estas histórias de que “se não escolhermos os melhores, os piores vencerão”, que na democracia o poder é do povo, são todas conversa fiada. Além do mais, não votar enche o saco dos políticos, porque é do voto que eles se alimentam e prosperam. Se ninguém comparecesse às urnas eles morreriam à míngua. O escritor José Saramago fez uma obra com este tema, chamada Ensaio sobre a lucidez, onde numa eleição todos os votos foram em branco. A partir daí, a história se desenvolve numa sucessão de absurdos praticados pelo governo, tratados com mordacidade e ironia pelo autor. O livro vale muito a pena e não vou contar mais senão perde a graça para quem ainda não o leu.

O voto individual não tem o menor peso, pois se no Brasil somos cento e quarenta e quatro milhões de eleitores, cada voto vale 0,0000014 do todo, ou seja, zero. A política não resolve a vida de ninguém, salvo a dos próprios políticos. Eu não quero colaborar em nada para que políticos recebam a remuneração e as mordomias indecentes a que supostamente têm direito. Se eu votar, não posso reclamar do resultado e da atuação dos políticos, pois votando, implicitamente estou aceitando as regras do jogo. Uma anarquista lituana chamada Emma Goldman, que emigrou para os Estados Unidos no fim do Século 19 e lá fez bastante sucesso como ativista, cunhou uma frase sensacional: “Se votar mudasse alguma coisa, eles tornariam o voto ilegal”.

Mas a segunda e principal razão pela qual eu não pretendia fazer o recadastramento, é que ele é uma violência. O estado não tem direito algum de me obrigar a fazer algo que eu não quero e que se eu não fizer não prejudica a ninguém. Aliás, o estado não tem direito algum de me impor coisíssima nenhuma, e o simples fato de que suas determinações são feitas sob ameaça de coação é suficiente para mostrar que elas nos são prejudiciais. As únicas ações ou omissões que somos obrigados a evitar são aquelas que se praticarmos lesarão a terceiros. Estas singelas exigências são as únicas que se pode fazer a quem quer que seja e são as que estão de acordo com a moral e a ética e são a base do que se chama de Direito Natural. Tudo que é preciso para que uma sociedade funcione é a obrigação de todos a não prejudicar os outros. Daí se deduz a proibição de matar; a obrigação de cumprir o que se trata; de cuidar dos filhos da melhor maneira possível; de não se valer de qualquer forma de superioridade para abusar dos outros, como, por exemplo, impor preços indevidos e assim por diante. Estes quatro exemplos são, respectivamente, casos de direito penal, civil, família e consumidor, facilmente deduzidos da regra única de não prejudicar e que são aceitos por qualquer pessoa normal e comum. A obrigação do recadastramento deve ter o objetivo de evitar fraudes. Mas desde quando algo foi capaz de evitar fraudes no Brasil? Além do mais, há um desvio evidente, pois ao invés de impedir que o político safado pratique as suas trapaças e que se o fizer que seja punido, se impõe um ônus aos cidadãos.

No entanto, hoje (11/12) uma colega de profissão comentou comigo que se não fizermos o cadastramento o título de eleitor será cancelado, o número do CPF também e mais isto e mais aquilo. E eu, que não tinha dado atenção às sanções pelo não cadastramento, obviamente fiquei com medo das suas consequências, pois o simples cancelamento do CPF, por exemplo, cria um transtorno infernal na nossa vida. Então é assim que funciona: se não cumprimos as ordens do estado, ele nos pune aumentando problemas que ele próprio nos criou anteriormente. Amanhã vou correndo à Justiça Eleitoral fazer o meu recadastramento. Com raiva, contrariado, mas vou, porque forçado. E há quem me olhe enviesado quando digo que vivemos numa ditadura.