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25/08/2009 16:56
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A palavra: a principal matria-prima

Março de 1986. Numa época em que o país era alimentado pela esperança criada em torno do Plano Cruzado, tinha início a trajetória da Folha de Candelária. Março de 2008. A Folha completa mais um ano, totalizando já 22 desde seu lançamento. Das primeiras edições até as mais recentes ocorreram profundas transformações no Brasil e também na forma de se produzir o jornal. Quando a Folha nasceu ainda não existiam micro-computadores que sabidamente revolucionaram os veículos de comunicação, como de resto toda a atividade humana. Por isso, pode-se dizer que editar um jornal nos idos de 1986 era uma tarefa com características artesanais, algo quase inverossímil para os que aprendem o ofício nos atuais dias.
A par deste abismo tecnológico que separa as duas épocas, a Folha sempre fez da palavra a sua principal matéria-prima. Palavras que, somadas, transformaram-se em matérias e reportagens retratando alegrias, tristezas, anseios e reconhecimento. São páginas e páginas mostrando sobretudo o dia-a-dia da nossa gente. Confira trechos das reportagens mais destacadas publicadas durante o primeiro ano da Folha.

Os meninos das ruas da cidade
Um dia frio. Cinzento. Poucas pessoas se aventuram a andar pelas ruas. Na praça, entre um e outro transeunte apressado, apenas três meninos enfrentam o frio. Riem. Sentados no posto dos engraxates, estranham a chegada do repórter. Olham desconfiados, mas, aos poucos, à medida que são informados de que é uma reportagem, perdem o olhar assustado. Passando o cigarro de mão em mão, Valtair, que diz ter 16 anos, embora aparente 12, explica que não bebe nem fuma, “só de vez em quando”. Os outros dois, Valdomiro, de 11 anos, e Airton, de 12, também tragam o cigarro Hollywood. Enquanto cai uma chuva fina, Valtair vai respondendo às perguntas. Mora no Loteamento, estuda à tarde, na 3ª série da Escola Christiano Graeff. “Vou fazer dois anos de engraxate. O que mais eu faço? Ah, eu faço biscate, lavo carro, capino”. (...) A uma nova pergunta, ele fica em dúvida. “Qual é o meu sonho? Ah, não sei. Eu sonhei em ser passageiro de ônibus, pra poder viajar. Eu ainda tenho o quartel, quero servir e continuar lá. Daí eu ganho meu dinheiro e mando pra minha mãe”. (...). (18/06/1986)

Voando sobre as paisagens de Candelária
Sábado à tarde. Dia de sol, sem nuvens, pouco vento. O ideal para mais um entre tantos homens realizar um dos maiores sonhos da humanidade: voar. No Aeroclube de Santa Cruz do Sul, a calma só é quebrada de quando em quando com o roncar dos motores dos aviões. Antes de sair do chão, é preciso obedecer a um ritual de segurança, (...). “Se soltar um parafuso lá em cima, não dá pra apertar. Então, tem que olhar tudo aqui no chão”, explica René Karnopp, advogado e sócio do aeroclube. (...). A pista já começa a ficar para trás, enquanto surgem, de todos os lados, panoramas completamente novos, belíssimos. (...). Passamos pelo interior de Santa Cruz e em poucos minutos chegamos a Quilombo e uma parte da Costa do Rio. No Alto Passa Sete, divisamos, lá embaixo, a Ponte do Império, próxima ao rio Pardo. Pouco depois, sobrevoamos, em Roncador, a Cascata da Ferradura, entroncada num pequeno vale. (...). Voamos em direção ao Botucaraí. Envolto em fascínio e mistério, o morro oferece um panorama inigualável visto do alto. (...). O avião pousa e a sensação de pisar no chão é bem-vinda. Afinal, o ar é para os pássaros. Para os homens, só de vez em quando. (Reportagem veiculada na Folha em 29/10/1986)

No depósito de lixo a luta pela sobrevivência
A princípio, olham desconfiados, receosos. Na abafada tarde de sexta-feira, sentados em latas vazias de tinta, as mulheres em roda, as crianças e os cachorros brincando, parecem estar à vontade naquele ambiente. Estão no depósito de lixo do município, à beira do rio Pardo, próximo à ponte da RS-509. São três horas e o caminhão de lixo da prefeitura deve chegar em poucos minutos, para fazer seu segundo descarregamento do dia. À sua espera, cerca de 20 pessoas, todos moradores das proximidades, que vêm ali três vezes por semana para aproveitar alguma coisa dos restos jogados fora pelos cidadãos de Candelária. (...). (06/08/1986)

Albino Lenz: histórias de um tempo distante
Sentado num canto escuro da grande sala da casa, defronte a uma velha TV Philips, ele olha curioso para o visitante. Fumando tranqüilamente um palheiro, com um chambre longo sobre o corpo magro, se levanta, estende a mão, ensaia um sorriso. Parece tranqüilo no silêncio de sua velhice. Aos 87 anos, o coronel Albino Lenz recorda com clareza dos distantes dias em que foi nomeado o primeiro intendente do recém-emancipado município de Candelária. Corria o ano de 1925 e Albino Lenz era então um jovem agropecuarista. “Eu fui nomeado intendente provisório durante quatro meses. Em 15 de novembro daquele ano, fui eleito. Mas o começo não foi fácil, as dificuldades eram grandes. Candelária era um distrito de Rio Pardo, e muito pouco recebia. Quando assumi a prefeitura, o único patrimônio que recebemos de Rio Pardo foi uma carrocinha com uma junta de animais. Os móveis da prefeitura tive de comprar do meu bolso”. (...). (04/07/1986).