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25/08/2009 16:56
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Virando fresco

E o verão finalmente está chegando ao fim, ainda bem. Não que eu não goste, mas a cálida estação traz certas coisinhas que não me aprazem. Entre elas, os pontiagudos mosquitos e suas sinfonias de zumbidos. Noite dessas, pra variar, adormeci e amanheci charqueado de tanto ferroaço. Não lembro de haver passado um período de indolência tão curto e que rendesse uma xaropice tão grande. Inicialmente, achei que era somente mais uma noite quente de verão, mas não era. Talvez pelo ofício, fosse eu fadado a noticiasr coisas ruins com outras pessoas, mas aparecer como protagonista de uma tragédia de tal quilate não estava nos meus planos.
Passados alguns dias daquela noite quase insone, alguns sintomas indicavam que a coisa não estava bem comigo. O metabolismo de macho não era mais aquele de antanho. Minhas mãos, rijas e fortes, deram lugar à delicadeza de uma princesa. No roupeiro, simplesmente haviam desaparecido os jeans, tênis e sapatos, camisas e camisetas e minha coleção de cuecas pretas com bolinhas da mesma cor. Em seus lugares estavam collants, baby-looks e malhas destas tão grudadinhas que deixam aparecer até a alma das mulheres. Porém, a surpresa maior tive ao abrir uma das gavetas: lá estavam calcinhas de todas as cores, rendadas, de lycra, de algodão, fio dental, asa delta, etc... Sim, minha gaveta, lugar em que até então só era pemitida a entrada de cuecas, estava entupida da mais característica peça do vestuário feminino. Achei que essa fosse a gota d’água – eram evidências demais que me levaram a crer que estava virando fresco –, mas a gota d’água mesmo ainda estava por vir. Entrei no banheiro e a calça legging já estava arriada até o joelho quando me vi sentando no vaso para mijar. Aliás, não teve gota d’água nenhuma, nem de xixi, ou mijo, para nós, machos; interrompi o jato que nem começara, puxei aquela droga de calça até onde deu, com um certo cuidado para não apertar as bolas, e saí dali para procurar ajuda médica.
Pouco tempo depois lá estava eu sentado pacientemente junto com outras pessoas – coincidentemente todas mulheres –, em um consultório, aguardando atendimento médico. Quando o especialista me viu sentado com as pernas cruzadas tipo Sharon Stone, perguntou o que queria ali. Expliquei o caso e ele, gentilmente, explicou que os ginecologistas não tratavam deste tipo de caso.
Muito solícito, o doutor me deu um cartão com o endereço de uma clínica onde poderiam resolver meu problema. Peguei minha bolsa – sim, eu estava de bolsa – e continuei minha empreitada em busca de socorro. Ao chegar na tal clínica tinha só um tiozinho com cara de agente da Sucam, fumando um pito, coçando o saco e, por coincidência, lendo (ou usufruindo de) uma revista de mulher pelada; atrás, uma prateleira com 12 máquinas de Flit enferrujadas e fotos de mosquitos, varejeiras, baratas e barbeiros.
– Quequi foi? – perguntou ele, me olhando meio de revesgueio.
– Olha, doutor. Eu vim aqui porque ando me sentindo meio estranho. Sempre fui macho para caramba e agora vez por outro me vejo acometido destes surtos de lambisgóia, vestindo roupas de mulher e agindo como se fosse.
– E quais os sintomas que o senhor apresenta? –, voltou a indagar.
– Olha, são vários pra elencar, mas eu ando meio ranzinza que nem minha mulher quando tá com TPM e, de vez em quando, me dá cada febrão que só acalma quando tomo Microvlar com farinha. Já imaginou um cavalo com garrotilho dançando balé? Pois é, tô deste tipo.
– Picadura, talvez...
– Certamente, mas meu problema não é no pinto. Tá tudo funcionando direitinho, é só o problema da viadagem que fica me atenazando e.....
– NÃO! – interrompeu em berros o distinto – Não é isso! Estou achando que é picadura de mosquito da dengue, mas com um efeito colateral diferente!
– Então eu estou com dengue?
– Não é bem assim! Deixa eu explicar! A picadura deste mosquito deixa a pessoa dengosa, fresca, escandalosa. Isto porque o bichinho viaja do Rio de Janeiro até aqui em ônibus pinga-pinga. Resultado: ele fica velho de tanto viajar, perde a força e o vírus da dengue se transforma no vírus de "bruçus", cujos efeitos são caracterizados pelos sintomas que o senhor tem. O senhor ainda não teve vontade de....
– Epa, pera lá. Tá me estranhando? Vamo pará com essa lorota e me diz aí: essa viadagem tem cura? Passa quando?
– Não tem remédio, mas também não traz prejuízos à saúde e em um mês o senhor estará curado.
– Mas então tu acha que eu vou ficar um mês desse tipo que eu ando? Que que os amigos vão pensar de mim? Vou ser motivo de piada em todas as pescarias e caçadas em Cerro Branco, Cabrais e Candelária. Não tem outro jeito?
– Bom, tem uma simpatia que adianta o processo e dizem que é batata. Não custa tentar, né? Anota aí: encher boca água, sentar fogão lenha bem quente, quando água ferver boca, tu curado.
– Porque a simpatia não é assim: enche a boca de água, senta em cima do fogão à lenha bem quente e, quando a água ferver na boca, tu estará curado?
– Porque é uma receita indígena, e os índios falam assim. E se não fizer assim, não vai funcionar!
– Humpf! Obrigado.
Sem outra solução, cheguei em casa, enfiei quatro toras de angico no fogão e tasquei fogo. Quando a chapa estava quase vermelha, enchi a boca d’água e sentei no fogão. Primeiro, veio aquele cheiro de bife de nádegas, depois, aquele ardor insuportável, me fazendo brotar dos poros verdadeiras vertentes, por fim acordei de sobressalto com um cotovelaço recebido da patroa – que resultou em três costelas trincadas – e o velho aconselhamento gentil de sempre.
– Eita bicho véio! Echeu o panduio (sic) de criba e morcilha e se entupiu de cerveja gelada de novo, né? Só podia dar nisso. Vai morrê de véio e ainda não aprendeu a se controlar. E vê se da outra vez coloca um pijama, pois já é a quinta vez encordoada que tu dorme de calça, camiseta e meia. E te some pro banheiro, porque a julgar pelo suor, tu tá é com princípio de caganeira!
Que alívio, que alívio este fim de verão!