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25/08/2009 16:56
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Um sonho de Cinderela

Há dois anos, a comunidade candelariense foi surpreendida pela doença repentina e aparentemente inexplicável de Ana Paula Gewehr Heinze, que, em fevereiro de 2006, após doze dias de internação no Hospital Santa Cruz, com investigação e laparotomia diagnóstica inconclusiva, apresentou agravamento de seu quadro clínico, tornando-se necessária sua transferência para a UTI do Hospital Santa Rita, de Porto Alegre. Ana chegou ao hospital com choque séptico e falência orgânica múltipla. A partir desse momento, foram necessários meses de internação, com diagnóstico de doença inflamatória crônica (Crohn), agravado por trombose de veia cava e ilíacas bilaterais.
O povo de Candelária testemunhou toda essa jornada, mobilizando-se sempre com orações, palavras de conforto e de fé e, na época, com campanhas em auxílio às despesas hospitalares, que ultrapassaram as condições financeiras da família.
Hoje, voltamos para relatar a realização de um grande sonho: a formatura em História, pela Unisc, em 16 de agosto de 2008. Para muitos, esse acontecimento pode ser visto como apenas mais uma etapa da vida, e não mais do que isso, não necessitando deste destaque tão especial que lhe damos através destas palavras. No entanto, não seria mentira dizer que Ana Paula até agora precisa se “beliscar” para confirmar que não se trata apenas de um sonho.
Isso porque foram necessárias muitas internações em Porto Alegre, além de acompanhamento constante, com uso de medicamentos e exames laboratoriais. E não foram poucas as vezes em que, no laboratório, foi quase impossível encontrar veias para a coleta de sangue, pois os braços, já roxos, evidenciavam o seu excessivo desgaste.
Após os estágios de Ensino Fundamental na Escola Professor Penedo e de Ensino Médio no Guia Lopes e aplicação de horas/atividade na Escola Municipal Adão Jaime Porto, aproximava-se o dia da colação de grau. Amigos e familiares se “escalavam” para festejar o grande acontecimento, aguardando convite para a ocasião. Ficamos todos emocionados com as demonstrações de carinho e solidariedade. Todavia, as despesas eram muitas. Então, o que fazer?
Amigas emprestaram vestidos, outras ofereceram calçados e estolas para o frio: nada servia. A única maneira seria adaptar um dos vestidos oferecidos, ajustando e modificando. Alguém se ofereceu para doar os convites da formatura. Outros perguntavam: “Do que a Ana precisa?”. Assim, tudo acontecia como em um sonho de Cinderela. Apenas um importante detalhe fazia toda a diferença: nada era imaginário.
Decidimos, então, enviar convites a todos aqueles que sempre conviveram com Ana e que acompanharam de perto nossa rotina - amigos, companheiros de jornada, familiares... São tantos! Alguém sugeriu que, após a cerimônia, fizéssemos uma confraternização em um restaurante, em que cada convidado assumiria suas despesas. Não era exatamente o que gostaríamos, mas era o que podíamos oferecer. Em momento algum imaginamos que teríamos a solidariedade, a amizade e a compreensão que tivemos. Entre os convidados, estavam presentes muitas pessoas que, assim como nós, teriam dificuldade em oferecer jantares em restaurantes, além de outros que, por sua rotina, estão habituados a fazer suas refeições fora, e que poderiam até mesmo deixar de atender ao convite pelo grande número de compromissos paralelos.
E assim chegou o tão esperado dia. Arranjos com flores, presentes, cartões e homenagens não paravam de chegar. Hoje em dia, é até difícil de acreditar, mas houve mesmo quem assumisse as despesas das fotografias, e outros doaram álbuns de formatura. E como se essa generosidade fosse pouco, ainda houve famílias que fizeram doações financeiras para custear as despesas. Assim, provando definitivamente que um conto de fadas pode ser muito mais do que uma mera história imaginária para crianças sonhadoras, nossa Gata Borralheira se transformou em uma linda, adorável e verdadeira Cinderela. Nesse conto real, fadas-madrinhas reais doaram sapatos novos, aluguel de vestido de princesa, salão de beleza e tudo que uma jovem pode sonhar para um momento tão inesquecível.
Para a cerimônia de formatura, compareceram pessoas muito especiais, como Dª. Eva, uma senhora desconhecida de Porto Alegre, de idade avançada e com problemas de saúde, e que foi à Unisc conhecer pessoalmente a jovem por quem havia tanto rezado. Também deslocou-se de Porto Alegre, especialmente para a colação de grau, a jovem fisioterapeuta Camila, que muito “brigou” com Ana Paula nas horas de fisioterapia no hospital.
É impossível esquecer que, nesses dois anos de jornada, Deus levou consigo familiares, como o pai de Ana Paula, Pedro Heinze, falecido em maio de 2006. Levou também alguns amigos, companheiros ainda jovens, como Melissa, de Lajeado, Lisi, de Porto Alegre, Paulinho, de Santa Cruz, além de nossa amiga Júlia, sempre tão próxima, esta que sempre deu forças a Ana mesmo em seus momentos mais críticos. Ana ainda lembra muito dela dizendo: “Vamos, Aninha! Vamos juntas vencer esta batalha!”. Com certeza, eles têm agora uma nova e importante missão: olhar e interceder por nós junto a Deus. Fica-nos a certeza de que eles cumpriram plenamente sua etapa conosco, e que ainda temos uma missão de solidariedade e amor ao próximo aqui na Terra. Que cada um cumpra a sua tarefa, esteja onde estiver, haja o que houver.
Agradecemos à equipe médica do Hospital Santa Rita, sempre tão abnegada nas prolongadas e sucessivas internações.
Nosso muito obrigado a todos que sempre nos concederam palavras e gestos de apoio, solidariedade e amizade. Lembramos que as secretarias municipais de Saúde e de Assistência Social e a Defensoria Pública nos amparam até hoje, nas constantes viagens de controle de saúde e no uso de medicação permanente.
Nossa gratidão também às pessoas que oportunizaram a viagem à Abadiânia, bem como à cidade de Três Coroas.
Ao Dr. Luís Antônio, Dr. José Fernando e ao Hospital Candelária, que já fazem parte de nossa rotina. Por sua paciência e profissionalismo, nosso reconhecimento.
Ao tio Lauro Peuckert, agradecemos pela oportunidade de cursar uma faculdade, por ter assumido o seu financiamento.
E, enfim, a Deus, pelo dom da vida, pela fé e por cada dádiva recebida, dádivas que, pequenas ou grandes, são sempre significativas.
Ao recordar todos esses momentos, difíceis ou felizes, temos em mente que, se uma história chega ao seu final, uma outra agora se inicia. Sabemos que, entre as leis que regem a vida, a que mais se evidencia, na nossa estreita visão terrena, é a imprevisibilidade. Acreditamos, porém, que nada do que acontece é casual, e que há um plano maior, muito além da nossa compreensão, em que tudo, mesmo o sofrimento, é justificado, ou tem sua razão de ser. É muito comum ouvir dizer que, para poder apreciar a vastidão e o significado maior de uma paisagem, é preciso escalar toda uma montanha. Acreditamos realmente nisso. Dessa forma, se hoje vemos os dias passados com olhos mais tranqüilos, e se agora nos encontramos apaziguados, é porque cada acontecimento contribuiu para isso. Muito se repete também que nada do que se alcança com facilidade tem grande valor. Essa é a razão de vermos, na formatura, a realização de um sonho antes quase impossível. Não sabemos o que nos reserva o dia de amanhã, não sabemos como será essa nova história. Certezas, quem as tem? No entanto, cremos possuir algo que vemos como bens mais preciosos, e, se não estivermos enganados, chamam-se “esperança” e “coragem”, dádivas concedidas por Deus através de tudo que vivemos. Assim, aguardamos o dia de amanhã sem ignorar que cada um deles trará novos desafios. Mas sabemos que, nessa jornada, ninguém está sozinho. Por essa razão, a todos os candelarienses, nosso sincero, profundo agradecimento. E que Deus abençoe a todos, assim como nos abençoou.

Ana Paula Gewehr Heinze e família