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25/08/2009 16:56
Por:

Ataques de nostalgia

"Tenho saudade das tardes ensolaradas
Ir para o campo jogar com meus amiguinhos
E nos domingos um ir pra casa do outro
Fazer bodoque pra caçar os passarinhos"

A letra da música “Tempo de Guri” do grupo Os Mirins reflete um pouco da infância e adolescência que tive; assim como a distinção com que as quatro estações brindam a nós, gaúchos, com suas peculiaridades, são diretamente relacionadas aos meus ataques de nostalgia, como este. Basta o tempo ficar de cara feia para me lembrar do tédio que era ficar em casa e olhar pela fresta da janela o campinho de futebol encharcado formando grandes poças de água. Hoje em dia, sempre que passo por ali, me dá um nó na garganta ao ver abandonado aquele santuário de criação da gurizada do Rincão e me pergunto: será que não existem mais guris por aí? Claro que existem, mas eles estão sumidos, vivendo num mundinho diferente. Lembrei que o atual processo de criação dos filhos se assemelha ao de fazer compotas. Você colhe a fruta, a prepara, e depois deixa um longo tempo “curtindo”, até que ela esteja pronta. Os guris de hoje parece que são assim, nascem, deixam das fraldas, somem e voltam a aparecer depois de grandes. Não sei por que isso, talvez esteja relacionado ao fato de que tudo hoje em dia faz mal, dá gripe, resfriado, estresse, a doença da moda... E entre as coisas proibidas inclui-se até um inocente banho de chuva. E dizer que houve um tempo em que tinha gente que apostava corrida nas sarjetas...
Mas não quero falar sobre este ou aquele modo de criar filhos. Estou mesmo é com uma saudade danada de jogar futebol e sempre que me lembro de futebol lembro da gurizada no campinho. Falando nisso, preciso me penitenciar em nome daquela turma que furtava varas de eucalipto na propriedade do seu Antoninho Barbeiro; aos familiares, minhas desculpas, mas era com um bom propósito. Dava uma trabalheira danada atravessar as ruas com aquelas varas que iriam servir para as traves do campinho. Um martelo, alguns pregos, uma pá e, pronto: goleiras novas para a diversão da gurizada. Não me lembro de ninguém que tenha seguido o ofício de marceneiro. Casos de boladas no travessão e o pau caindo a centímetros da nuca do goleiro talvez já indicassem que ninguém da turma estava apto para a função. Nenhum alfaiate saiu dali também. As redes improvisadas com sacos amarelos e cor-de-rosa que antes serviam para acondicionar batatinhas talvez ilustrem bem o fato. Bastava um “bicão” violento do Tino e lá se ia por terra o trabalho dos inábeis costureiros. Como tinha jogo de bola naquele campo. Não lembro se foi numa Sexta-feira Santa ou num Dia de Finados que a enfezada turma resolveu bater bola no campinho. Os mais velhos já haviam avisado de antemão que “não prestava” jogar bola naquele dia. Azar do Eri da Silva, que acabou quebrando o pé, atestando o mau-agouro da data ao desrespeitar o conselho dos anciãos que nem eram tão anciãos assim.
Faz três semanas mais ou menos que encontrei o amigo Maurício Bringmann, antigamente chamado de “Mico”, hoje tenente e comandante da Brigada Militar de Vera Cruz. Ele continua perdendo a barriga (pra fora do cinto), mas me contou que permanece apresentando “aquele” futebol que jogava antigamente. Só a Dona Nuti não chama mais ele pra casa com o tradicional: “Miiiiiico, meu guri, tá na hora” um tempão depois que o sol já havia entrado e com uma certa varinha de marmelo. Coincidentemente naquela semana que falei com o Maurício, também recebi notícias do amigo Gerson de Souza, gerente do Banrisul em Terra de Areia, um rapaz que era corredor uma barbaridade, mas não chegamos a falar de futebol em razão da quentura política do momento. Como é bom ter notícias dos amigos, reviver por breves momentos uma infância sadia. Pena que ninguém mais me convida para jogar bola. Mas já que as coisas têm de ser assim, por favor, mandem notícias que me ajudem corroborar com a tese de que a gente sabia aproveitar muito melhor nossa juventude do que esta geração de agora. Sobre caçada de passarinhos falo outra hora, não dá pra fazer isso com um tempo desses.