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Geral 12/03/2018 16:53
Por: Luciano Mallmann

Dia da Mulher: O legado de Íria Faber - Cada semente contém uma oração

Candelariense fala de seus esforços na intenção de ver uma Candelária mais verde e conta um pouco de sua trajetória

"Cada semente carrega em si uma vida, e cada semente contém uma oração". A frase, que pode ser entendida de diversas formas, é de Íria Faber, mas deve ser interpretada no que ela possui de mais simples e literal. A simplicidade talvez seja a melhor maneira de compreender a complexa e poética filosofia de vida desta senhora que, sempre que sente algum mal-estar, como desânimo ou tristeza, tira de sua bolsa algumas sementes que ela sempre leva consigo. E assim, segurando-as entre os dedos e pensando em toda a promessa de vida e de vitalidade contida naqueles pequenos grãos, alguns minúsculos, outros do tamanho de pequenos frutos, a esperança e a paz retornam ao seu coração. Esse gesto de afago àquilo que literalmente possui o significado de origem de vida revela o quanto Íria é consciente de uma verdade de que muitos se esquecem: o fato de a vida dos homens ser passageira, mas a natureza, por mais sacrificada que seja pelo ser humano, tem o poder de sempre se renovar-se a si mesma. Eternamente.
Filha de Olga (nascida Beise) e Adolfo Rehbein, esta candelariense estudou primeiro na Escola Carlos Graeff e depois na Escola São Paulo. Para ir à escola, ela atravessava o rio às vezes a pé, ou, dependendo do volume da água, valendo-se de uma canoa. Aos 17 anos, casou-se com Ênio Faber. Dessa união, nasceram Elisabeth, Liselote, Eliseu Paulo e Juliana. Na condição de mulher casada, Íria nunca deixou de ser autora de sua própria história. Foi apenas aos poucos que ela descobriu o quanto era capaz de influenciar as pessoas, pelo seu modo de pensar e de agir. Talvez hoje, mais do que nunca, ela seja valorizada como realmente merece, através de um grande número de pessoas que se reúne e se organiza em torno dessa verdadeira líder comunitária. Os intercâmbios que ocorrem junto ao Horto Medicinal Girassol, sediado na propriedade de Íria, sempre são oportunidades que ela tem de disseminar seus conhecimentos e também de aprender coisas novas.
A respeito do horto medicinal, a moradora do Passa Sete costuma dizer que as plantas, como medicamento, atuam de forma mais lenta, porém são mais saudáveis e não causam reações adversas. Questionada sobre o significado do horto para a comunidade local, sediado em sua propriedade pelo fato de sua terra ser livre de agrotóxicos, Íria não mede elogios: "Para nós é uma relíquia. É um patrimônio da comunidade, pela preservação da diversidade de espécies de plantas". Acompanhada da filha Liselote, a agricultora aposentada fala das propriedades do horto para restaurar as forças: "Quando a gente não se sente bem, é ali que renovamos as energias. Ali tem uma força superior", resume. Acima de tudo uma mulher muito humilde, Íria faz questão de ressaltar a importância do papel fundamental tanto da filha Liselote como de cada uma das mulheres integrantes do grupo responsável pelo acervo de plantas.
Há 25 anos, Íria Faber ofereceu como presente uma muda de árvore quando nasceu o filho de Cristine Lersch Mallmann e de Marco Antônio Mallmann, criador da Folha de Candelária. Naquele dia 10 de abril de 1994, através do nascimento desse menino, concretizaram-se sonhos diversos. Entre eles, consta um hábito que se tornou tradição na trajetória de Íria: a intenção de, a cada criança que nasce em Candelária, oferecer aos pais uma muda de árvore. Ela justifica sua crença num mundo mais verde explicando que cada criança, ao crescer, precisará do lápis, do caderno, dos livros, sendo que todo esse material tem origem em árvores. A respeito dessas doações, a candelariense é enfática: "Temos que ser agentes de transformação. Assim, se estamos sofrendo por alguma razão, podemos melhorar a vida de quem está em volta. É um desafio diário", afirma, aludindo aos apoiadores de seu projeto, como forma de agradecimento pelo auxílio. Hoje, passadas duas décadas e meia dessa primeira árvore plantada, é difícil calcular o quanto Candelária se tornou mais verde, ou mesmo quantas dessas árvores cresceram. As mudanças para melhor, porém, são inquestionáveis. As sementes plantadas nas próprias pessoas em volta dessa senhora também ajudam a embelezar a cidade.
O Dia Internacional da Mulher, na opinião tanto de Íria como de Liselote, deve ter um papel de conscientização, porque, feitos os cálculos, o machismo ainda prevalece, tanto na cidade como no interior. Liselote, 55, exemplifica através do preconceito que enfrenta por ser uma mulher separada do marido. Elas reconhecem, porém, que, em virtude da divulgação do dia dedicado à mulher, as mulheres se tornaram mais conscientes de seus direitos: "A gente luta para caminhar lado a lado", sintetiza Íria.
Escrever sobre Íria Faber é um desafio que oferece vários riscos. Entre eles, o de não conseguir traduzir, através de palavras, o alcance e, ao mesmo tempo, a simplicidade, já mencionada acima, dessa mulher que, diante de um mundo tantas vezes indiferente, não perdeu a esperança de viver em uma cidade mais verde. Pelo risco, pede-se a compreensão dos leitores. Pode-se crer que, sendo válida a tentativa contida nesse texto, as palavras, à sua maneira, também não deixam de ser sementes. É a esse sentido que apelamos para enunciar a frase com que Íria encerra a entrevista: "Se não houver flores, valeu a intenção das sementes".