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25/08/2009 16:56
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Naturalmente natural

O tema de hoje é: a influência das origens na formação do caráter do indivíduo e as mutações do seu comportamento com o decorrer do tempo perante à sociedade civil organizada. Isto está muito comprido, vamos diminuir: tem gente que come galinha e arrota peru. Beleza, com título da tese pronto vamos a ela.
Seguidamente me deparo com pessoas que ficam encalistradas quando alguém resolve rebuscar origens ou mesmo falar sobre histórias da família. Para alguns, parece ser uma vergonha sem fim que o pai fume pixuá enrolado com palha de milho e que a mãe não use o vestido da moda ou ainda que o irmão encha a cara de cana ruim com bitter na budega toda semana. Ninguém tem a obrigação de nascer rico e a felicidade pode ser encontrada até mesmo por quem usa a mesma calça de brim e o mesmo sapato duas vezes por semana... e até na cachaça com bitter na budega, por que não?
Os milhões de dólares que tenho em uma conta na Suíça por conta dos royalties que ganhei escrevendo esta coluna foram conquistados a duras penas, mas foi necessário muita atitude, como por exemplo, não me desgarrar das origens. Afinal, são das riquíssimas histórias dos meus antepassados, os alemães Alves, que devo boa parte de minha riqueza. Por isso, quero fazer hoje um tributo às minhas raízes para mostrar que continuo sendo o mesmo, mesmo com o passar do tempo e sendo rico para carvalho.
Para começar, quero dizer que nunca tive problemas de passar um dia carneando porco e depois botar uma fatiota para ir num baile ou num casamento. Claro que cheiro de bosta de porco é de longe pior do que perfume de baile, mas isso não vem ao caso e eu não conheço ninguém que use fatiota para carnear porco e muito menos gente que vá com os chinelos atolados de barro num baile. Meu mano, de nome Preto, apelidado de Carlos e que mora lá em Cerro Branco, mantém talvez mais do que eu alguns costumes herdados de nossos pais, como por exemplo criar porcos e galinhas. E eu tenho uma sorte danada que quase sempre que vou lá tem alguma novidade. Da última feita, tinha três galinhas carneadas à tarde e que nem tinham gelado muito no freezer. Como os mercados das cidades do interior fecham cedo para o pessoal poder olhar a novela da sete, na falta de outra opção para o jantar ele sugeriu que fizéssemos alguma coisa com as galinhas. Como gente de fina estirpe que somos, consultamos primeira e gentilmente nossas respectivas esposas, lançando duas ótimas sugestões de cardápio: – Nós vamos fazer galinha assada na brasa, mas se vocês não quiserem comer tem pão com ovo frito. Vão querer o que? Diante da escolha pela primeira opção, o metido a besta aqui já foi pegando uma faca e dando jeito de cortar a galinha ao meio, mas a faca insistia em não querer entrar no bicho. A polidez sempre foi uma marca registrada da nossa família, com um vocabulário vasto e muitas vezes de difícil interpretação. E foi assim, em alto nível, que eu e meu irmão tivemos um diálogo acerca da dureza da penosa. Dirigi-me a ele:
– Ô, tchê, tem certeza de que dá pra fazer este bicho na brasa. Esta carne tá dura que a faca nem faz “cósca”! Pra mim esta penosa veio junto com o pessoal que construiu a Igreja Betel ou te venderam corvo ao invés de galinha.
– Teu orifício anal (não foi bem isso que ele proferiu, mas mudei em respeito às muitas crianças que lêem o jornal) – respondeu ele. É bem novinha, coió de mola. Só que estas galinhas de terreiro ficam com a carne mais firme porque comem tudo o que veem pela frente... E pode ver que é nova porque o ovário tá cheinho de ovo, não tá vendo?
– (minhas sobrancelhas ficam mais altas do que o normal)
– Pera lá – respondi. Isso pode ser porque ela tá tão velha que nem tem mais força pra botar o ovo pra fora.
– (agora as sobrancelhas dele é que ficam mais altas do que o normal)
– Deixa de ser bobo, rapá! – respondeu. Isso não é que nem estas galinhazinhas que tu tá acostumado a comer, puro suplemento que deixa a carne com gosto de ração. Estas galinhas que eu compro são daquelas que ainda comem minhocas e pedrinhas e até bosta detrás da patente!
– Glurb! (minhas sobrancelhas voltam a ficar mais altas do que o normal)
Bom, o jantar foi feito, a galinha ficou saborosa e realmente não ficou dura como inicialmente aparentava. Desta maneira, cheguei à conclusão de que as facas de lá que são uma porcaria mesmo. Depois de mais esta lição de vida, resolvi compartilhar com os leitores esta riquíssima prova de resgate às origens com nuances de fineza e, por que não, sugerir aos supermercadistas para que coloquem uma etiqueta especial nos pacotes quando venderem galinha caipira. Com a aproximação da safra do milho verde com moranga, tem muita patente que vai garantir alimento farto para as galinhas de terreiro. A etiqueta fica por conta da criatividade de cada um, só quero ver o nome técnico que vão dar para galinha que come... vocês sabem!