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25/08/2009 16:56
Por:

dama-da-noite

Há uns sete, oito anos, recolhi da copada de um cinamomo próximo a uma choupana dois ou três ramos das centenas que formavam um belo espetáculo de flores conhecidas por damas-da-noite. Até então não tinha visto flor com tamanha beleza e imponência. Em seu novo habitat, aos fundos da casa, logo as raízes da flor se agarraram a um velho cinamomo. Para meu encantamento, no ano seguinte a dama-da-noite produziu como nunca em seu novo lar, como se agradecendo pelos cuidados recebidos. Porém, a velhice havia se abatido sobre o cinamomo, e era previsto que ao primeiro vento forte ele tombaria e, com ele, toda a ramagem de damas-da-noite; e foi o que aconteceu. Até hoje está lá, tombado no pátio, o que restou do cinamomo, e lhe fazendo companhia estão os ramos da dama-da-noite, que não se desagarram da velha árvore que as sustentaram. Parece que reconhece que a água que escorria do tronco seco do cinamono nos dias chuvosos e que ali se acumulava era o que lhe dava a vida. Hoje a dama ainda vive lá, meio agarrada ao que restou do toco e outro tanto de raízes presas à terra firme. Vez por outra ela me brinda com uma de suas raras flores noturnas.
Neste ano, vi só uma destas lindas flores, mas cedo da manhã da segunda-feira, quanto tinha perdido metade do espetáculo, mas ainda tive a oportunidade de registrar sua beleza antes que se fechasse para sempre. Com ela aprendi que para chegar ao êxtase da contemplação é preciso enfrentar a sonolência da madrugada. Aprendi que devemos aproveitar todos os pequenos grandes detalhes que nos cercam, pois podem ser oportunidades ímpares. Aprendi também que estas belas flores, assim como nós, humanos, não vivem sem suporte. Sem sustentáculos, não teríamos de onde tirar a seiva que nos nutre para a vida; ao deixar de aproveitar o que nossos convíveres nos oferecem, isolando-nos em nosso mundo interior, tornamo-nos damas-da noite que, ao raiar de cada dia não conseguem repetir o raro espetáculo de aroma e beleza da noite anterior. Deu vontade de escrever mais para esta flor, mas minha veia poética ainda não chegou a tanto. Socorro, Alphonsus...

“No fundo dos meus olhos, quando eu não puder reconhecer o brilho de outros sonhos, ou mesmo quando o riso não trouxer ternuras e esperanças, ainda há de restar a sedução do verbo, aquele que me toma a alma em sobressalto, aquele que arrebenta algemas do passado, que estilhaça o painel da realidade e me oferece a taça inebriante do apenas imaginado...
No fundo do meu peito, quando o coração quiser calar todas as vozes que me encantam, emudecer canções que me acalentam, silenciar acordes que me embalam, ainda hei de escutar uma orquestra de estrelas cristalinas, miríades de graças, luzes, cores, vidas, pois onde a poesia está, ali eu vivo ...”
Alphonsus Guimaraens


Obrigado, Alphonsus! Nada como quem sabe.