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Geral 12/01/2018 16:20
Por: Luciano Mallmann

O passado como opção de vida

As diferentes histórias dos objetos raros do acervo particular do candelariense Roque Rathke comprovam: existem objetos que são realmente únicos

  • Casa de 170m² foi construída especialmente para abrigar o acervo
  • Fotografias, mapas, livros, instrumentos musicais e inúmeros outros objetos guardam em si um pouco do passado de Candelária
  • Rathke fala de sua paixão pela história dos imigrantes alemães, que tiveram de deixar sua Pátria para sobreviver

Se é verdade que a definição de um objeto está no olhar de quem o vê e na maneira como o vê, muito tem se perdido, nos últimos tempos, em detrimento de tudo que é novo. Muitas vezes o que é novidade nem sempre é melhor que o antigo: é apenas novo, e isso é visto como se fosse uma qualidade especial. Para quem vive uma realidade a cada dia mais virtual, acervos inteiros de artefatos reunidos ao longo de vidas inteiras passam, de um momento a outro, à categoria de coisas tidos como sem valor, pelo simples fato de, por serem antigos, conterem em sua essência a condição de testemunhas silenciosas de dias vividos às vezes há décadas, outras há séculos. E, se a algumas pessoas esse aspecto amedronta, a outras enche de fascínio e encantamento.

Para o cidadão candelariense Roque Rathke, tudo que não está na moda tem um valor especial. Tanto que ele até construiu uma casa de 170 metros quadrados para melhor dispor as antiguidades que coleciona. Concluída recentemente e aberta para mostrar a amigos e curiosos o seu acervo, o conjunto da construção e coleção se caracteriza por ser uma lírica ode ao passado, com tudo que ele tem de prosaico e, talvez por isso mesmo, extremamente raro. Roque não cansa de contar, não importa quantas vezes, a trajetória de cada objeto, seja de como chegou até ali, sejam os significados que ele carrega em si. Em seu modo de ver, cada objeto é único e irrepetível. Embora isso não seja uma tese, essa é a conclusão a que se chega ao se fazer uma visita, mesmo que rápida, a esse museu particular. A experiência talvez não seja diferente de como seria se se fizesse uma viagem ao passado, através da memória contida em fotografias, livros antigos, instrumentos musicais, eletrônicos, cartões postais do século 19, cédulas e moedas, objetos de vidro e porcelana, ferramentas e, em resumo, tudo que se puder imaginar. Literalmente.

Quem conhece Roque sabe que esse acervo, recolhido ao longo de praticamente toda a sua vida, é o resultado de sua verdadeira história de amor pelo passado. O museu é apenas a concretização desse amor. Esse sentimento pode ser definido como uma paixão pela história, não só de Candelária, mas por tudo que se refere, de maneira mais específica, à imigração alemã. A saga dos filhos de uma pátria distante que nela não tiveram condições de sobreviver com dignidade causa nesse candelariense uma comoção especial. Isso se explica por tudo que essa história representa em termos de enfrentamento do destino, em buscar, numa viagem transoceânica, uma nova oportunidade de vencer os desafios impostos pela necessidade de sobrevivência, chegando a uma terra totalmente desconhecida, tantas vezes inóspita, necessitando ser totalmente desbravada e, por fim, conquistada ao custo de intenso trabalho.

É a natureza peculiar dessa paixão que leva Roque a fazer o que está ao seu alcance para restaurar uma peça, caso isso seja necessário, ou fazer de tudo para que um determinado objeto tenha a aparência parecida à que tinha quando era novo. Se em relação a livros isso não é possível, outros objetos parecem se deixar manipular de forma mais maleável. E é por essas artes e ofícios de restauração que se tem a impressão, ao caminhar por entre as prateleiras, de realmente viajar no tempo. Ao final dessa incursão, não há quem não se sinta enriquecido e, de certa maneira, edificado pelas experiências que reviveu.

O apego ao passado revela uma característica pouco conhecida de Roque: o lamento por valores que se perderam com o passar dos anos, ao mesmo tempo em que se sente fascinado pela evolução tecnológica em praticamente todas as áreas. “A gente percebe, ao observar as pessoas, que muitas coisas estão desaparecendo por falta de quem preserva valores do passado, do qual os objetos são apenas um símbolo. E atributos a eles relacionados acabam se perdendo também. A fé em Deus, a vida em família, valores familiares, a honestidade, a ética, estão se perdendo, aos poucos, e espero que não seja para sempre”, afirma. É nesse sentido que guardar, recolher, resgatar, restaurar um objeto antigo se torna o emblema do movimento solitário, de um homem apenas, na conservação de valores e atributos, mesmo não deixando de respeitar e enaltecer a modernidade. Quem observa comportamentos percebe que a chamada pós-modernidade se estabelece ao mesmo tempo em que os níveis de uso de ansiolíticos e antidepressivos no país se elevam praticamente ao primeiro lugar no mundo, enquanto a tecnologia e a informática atingem graus ainda há pouco impensáveis de evolução. Há quem afirme que todo esse progresso tem sido nocivo para o ser humano, na medida em que o leva a viver nitidamente uma exaustão em virtude da tecnologia e, por que não dizer, do excesso causado pelo novo. Isso significa que as soluções não estarão disponíveis no futuro. É de se perguntar se não é no passado, nas lições de simplicidade deixadas por nossos antepassados, que devemos nos aconselhar para viver, talvez, uma vida com mais plenitude e, ao mesmo tempo, uma realidade, por estranho que pareça, um pouco mais palpável e menos virtual. Pelo que se percebe, nada se tem a perder.

IMPORTANTE - Quem quiser agendar visitas ao acervo de Roque Rathke ou fazer doações de objetos em vias de ser descartados pode ligar para o telefone 9 9804 8562.