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Colunista 11/08/2017 17:18
Por: Ângelo Savi

Algo deve mudar para que tudo continue como está

As eleições para os parlamentos (deputados e vereadores) no Brasil se dão pelo sistema proporcional, em que primeiramente são somados todos os votos dados aos vários candidatos de um partido para se chegar ao número de cadeiras a que este tem direito. Usando uma conta simples com números redondos para exemplificar, se numa eleição estão sendo disputados dez cargos com um número total de cem votos, cada dez votos dão direito a uma cadeira. Deste modo, um partido que tiver três candidatos cuja soma de votos atinja o quociente eleitoral, o candidato dentre os três que tiver mais votos é o que será eleito. Dois candidatos estarão fora, mas seus votos serão aproveitados pelo que foi eleito. A intenção do sistema é a de dar mais relevo ao partido do que à pessoa.

Claro que no Brasil não deu certo. Em primeiro lugar, porque permite o fenômeno dos “puxadores” que, por fazerem muitos votos, acabam elegendo candidatos inexpressivos. É o caso do deputado Tiririca e do finado deputado Enéas Carneiro, que, quando disputou, fez mais de um milhão de votos, levando junto quatro ou cinco outros candidatos que tiveram votação insignificante. Daí porque tanto interesse por candidatos famosos, como jogadores de futebol, artistas e apresentadores de televisão. Outro e até mais grave problema é a cobrança por cargos e favores que os candidatos que não se elegeram fazem após as disputas eleitorais, justamente porque seus votos também contribuíram para o sucesso dos que se elegeram. As campanhas também se tornam muito caras porque o sistema propicia a proliferação de candidatos e têm de ser feitas em todo o território dos estados. Há também a indução a que se criem cada vez mais partidos, porque todos têm direito por lei a um determinado tempo de propaganda eleitoral gratuita e, assim, eles surgem com o único e exclusivo objetivo de barganhar seu tempo de propaganda em troca de favores através das famigeradas coligações.

Agora está em tramitação na Câmara Federal uma reforma eleitoral em que se fala na criação do distritão, em que os eleitos serão os candidatos que obtiverem mais votos, sem somá-los com os dos outros, como nas eleições para prefeitos, governadores e presidente. A grande motivação para a reforma, como sempre, não é o aprimoramento do sistema eleitoral, mas sim a verba pública para financiar campanhas políticas que dobrará, atingindo a espantosa cifra de 3,6 bilhões e que já foi aprovada na comissão que estuda a reforma. Os deputados não têm nenhuma vergonha em defender (e aprovar) uma imoralidade destas, em que os cidadãos simpatizantes ou não de algum partido serão obrigados a financiar, com esta montanha de dinheiro, as campanhas de todos eles. Na verdade, este financiamento compulsório já existe; a única diferença, como disse, é que a verba destinada aos partidos dobrará. É uma das consequências imprevistas da Lava-Jato, que, inegavelmente, influenciou fortemente a decisão do STF que proibiu doações eleitorais de pessoas jurídicas. Assim, os políticos, não contando mais com a ajuda de Odebrecht, OAS, JBS, UTC, QUEIROZ GALVÃO, etc., que se sabe bem pelo que eram motivadas, assaltam o nosso pobre e depenado bolso. Ou seja, assaltam sempre, seja por corrupção, seja por verbas públicas.

Mas com relação ao distritão, não é crível que ele vá diminuir o número de candidatos nem de partidos, justamente porque não lhes custa nada fazer a campanha financiada por nós. As campanhas possivelmente ficarão mais caras ainda, porque continuarão a ser feitas em todo território dos estados e os candidatos terão de ter mais empenho porque não contarão com a ajuda dos menos votados. Provavelmente o único avanço será o de que não haverá mais razão para que os não eleitos cobrem por seus votos e o desaparecimento dos caroneiros que se elegem com votos de celebridades.

É muito pouco. É como disse Tancredi, um personagem de Giuseppe Tomaso di Lampedusa na obra O Leopardo, “Algo deve mudar para que tudo continue como está”, que a propósito, na passagem do livro estava justamente falando de política. A coisa mais óbvia do mundo é que quem está sendo beneficiado por determinada situação de fato não fará nada para mudá-la. É claro que, quando se trata de benefícios indecentes ou imorais, há quem tenha honra e dignidade a ponto de renunciar ao que é indevido.

Mas não entre os políticos do Brasil, selecionados naturalmente por um sistema podre, por seus defeitos e não por suas qualidades.