Logo Folha de Candelária
Geral 29/06/2020 16:41
Por: Redação

Pandemia: as reações e o desafio de manter as crianças em casa

Além da privação do ambiente escolar, crianças também sofrem os efeitos da atmosfera de medo e insegurança provocada pelo coronavírus

  • Júlio Steffanello: “relações pessoais serão mais valorizadas”
  • Saudade: crianças se ressentem da falta da convivência com os colegas (FOTO: AAREF WATAD/AFP)

Se para tantos adultos a pandemia do novo coronavírus tem trazido desconforto, de que maneira as crianças têm reagido a essa situação da quarentena? Para saber um pouco mais sobre o assunto, a reportagem da Folha foi ouvir o psicólogo Júlio Steffanello, que respondeu a algumas questões. Em primeiro lugar, conforme Júlio, é preciso observar que o denominador comum dessas crianças é a privação repentina do ambiente escolar. É comum à grande maioria a saudade dessa realidade, incluindo-se aí falta de colegas e professores. O segundo aspecto, de acordo com o psicólogo, é algo comum tanto a crianças quanto a adultos: a atmosfera de medo e insegurança provocada pela pandemia. Essa questão envolve a paralisação de muitos serviços, gerando um ambiente propício ao surgimento de incertezas. Nesse sentido, está o próprio medo da infecção pelo vírus, que, para as crianças, vai depender do conhecimento que elas já possuem e do próprio ambiente familiar. “Todos nós estamos com um certo nível de medo, por estarmos constantemente convivendo com notícias de pessoas que vêm a óbito em função do vírus”, ressalta o psicólogo. Os próprios protocolos de informação quanto ao número de atingidos estão tendo uma resposta em forma de uma grande ansiedade.

Diante desse quadro, é tarefa dos pais, segundo Steffanello, orientar os filhos quanto aos cuidados básicos exigidos em torno da situação. Já quanto às respostas a serem dadas aos filhos quanto à pandemia, tudo depende do grau de conhecimento e de compreensão que a criança já possui, para avaliar o quanto de informação ela poderá receber. Dentro dessas orientações, é importantíssimo, segundo Júlio, ensinar sobre os cuidados com a higiene, importantes para todos, enfim. Outro assunto abordado pelo psicólogo é a importância do aspecto lúdico, fundamental para as crianças, a que os pais podem recorrer para transmitir alguma informação mais específica sobre o assunto. “Nesse sentido, há muitos vídeos no YouTube destinados a explicar às crianças a respeito dos cuidados e da doença”, informa. Essa é uma conduta alternativa em relação aos pais que preferem falar aos filhos unicamente sobre os cuidados e a necessidade de permanecer em casa. As formas de conduta para lidar com essa realidade dependem de cada família, e ambas são válidas.

Outro aspecto importante levantado por Júlio é o fato de a criança ter no ambiente familiar algo como um termômetro em que se basear para saber como agir. Isso significa que, a partir das reações emocionais do adulto e os próprios modos de conduta servirão como um espelho, que norteará a conduta e o comportamento da criança. O psicólogo destaca que, dentro desse contexto, é fundamental os pais cuidarem antes de seu próprio estado emocional para poderem transmitir alguma tranquilidade aos filhos, evidenciando que estes, não obstante a situação, estão sendo cuidados pela família. Importante também aos pais é buscar também sanar os próprios medos para garantir um ambiente propício à estabilidade para as crianças, pelo fato de estas se espelharem muito no comportamento dos pais.

“O excesso de tecnologia é comum a todos, não apenas às crianças”

Embora se saiba que cada caso seja único, é importante observar a possibilidade de ocorrerem mudanças abruptas no comportamento das crianças. Comum a cada caso é a importância do diálogo para sanar dúvidas e resolver os possíveis medos, naturais numa pandemia.   A respeito do uso de celulares e computadores, Júlio explica que os próprios conteúdos escolares estão chegando às crianças via aplicativo ou através de videoconferência. “Assim, massivamente tem havido, em toda a sociedade, um estímulo para um uso maior da tecnologia”. Mesmo assim, o psicólogo chama a atenção para o fato de que todo excesso é ruim, e difícil é saber a partir de que momento esse uso passa a ser excessivo. Ele afirma que, em diversas residências, tem sido uma questão complicada essa imposição de limites, seja do computador ou do celular.

Dentro desse contexto, os limites na rotina diária são essenciais, até porque as regras deverão acompanhar as crianças pelo resto da vida: essa noção dos limites independe da época, bem como o cumprimento de determinadas responsabilidades. “Precisa-se ajustar o uso adequado”, afirma Júlio, que, mesmo assim, não vê com tão maus olhos o uso mais amplo desses meios, mesmo porque a tecnologia é o brinquedo das novas gerações”. Nessa situação, percebe-se mais uma vez a importância do adulto estar bem, para que ele possa conduzir melhor a criança e orientá-la em suas reações, por exemplo, através do diálogo. Mesmo assim, por tratar-se de uma realidade diferente, Júlio destaca a necessidade de uma flexibilização das regras nesse período, até porque é através dos meios digitais que têm se estabelecido, entre as crianças, os contatos sociais. “Até porque o excesso de informações quanto ao coronavírus pode ser prejudicial”, esclarece Júlio.

Efeitos pós-pandemia

Sobre as consequências que podem advir dessa pandemia, Steffanello afirma já vislumbrar, no momento atual, uma grande consequência, como o confinamento, a inexistência de encontros familiares ou de atividades sociais. Outra faceta é a crise econômica, já se tornando agora um motivo de preocupação que pode atingir os adultos, tendo consequentemente reflexo nas crianças. “Para a criança, a maior consequência tem sido a privação do ambiente escolar, e o retorno será muito positivo”, prevê. Por outro lado, pessoas que já possuem uma predisposição à ansiedade ou depressão poderão sem dúvida apresentar algum transtorno. Mesmo assim, o psicólogo aposta num alívio que o fim da pandemia poderá trazer: “As relações pessoais serão mais valorizadas. Esse será um dos resultados dessa pandemia”, conclui.

(Por Luciano Mallmann)