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Crônica 10/05/2024 09:32
Por: Odete Jochims

Efeitos colaterais da enchente no RS

Situações críticas, como a que meus conterrâneos gaúchos estão vivendo, inclusive familiares, ensejam reflexões e alguns alertas preventivos:

Que políticos, blogueiros e celebridades não se aproveitem da desgraça alheia para capitalizar votos, seguidores e benefícios pessoais.

Que os promotores do pânico e alarmistas potencializadores da tragédia não gastem seu tempo para atrapalhar, pois já temos problemas suficientes e não precisamos piorá-los ainda mais.

Que exijamos austeridade na aplicação até do menor recurso, quer seja de origem pública ou privada, pois qualquer copo d’água faz muita diferença.

Que aqueles que, por desventura, virem a se utilizar da tragédia para enriquecimento ilícito ou favorecimentos pessoais (postos de combustíveis, supermercados...), sejam desmascarados e sofram as devidas consequências da sua crueldade.

Que os “lacradores” sem noção, sejam repreendidos quando quiserem atribuir a enchente às supostas mudanças climáticas provocadas pela flatulência bovina ou a devastação da Amazônia (que nunca foi tão intensa, diga-se de passagem).

Que aqueles que se dizem amorosos, mas insistem em usar as redes sociais para rotular gaúchos e sulistas como nazistas, entre outros adjetivos atrozes, guardem para si seu “ódio do bem” e parem de amaldiçoar quem precisa focar em retomar a vida do zero.

Que a gauchada siga o exemplo dos habitantes de Nova Roma do Sul, construindo pontes em tempo recorde, tão resistentes quanto essa, que suportou sua maior enxurrada.

Que não se utilize, sem necessidade, o tratamento profilático de doenças provocadas pelas cheias, mas não se critique nem polemize quem o prescrever para aqueles que realmente foram expostos ostensivamente a águas potencialmente contaminadas.

Que, além de liberar o acesso ao FGTS dos afetados pelas águas, também se promova algum socorro aos pequenos empresários, que não tem FGTS para sacar e dificilmente possuem capital de giro para reiniciar sua pequena mercearia, por exemplo, e ainda terão que bancar os encargos das demissões seus poucos funcionários, assim como lojas de bairro ou prestadores de serviço que perderam suas ferramentas. Esses, além de não poderem gerar empregos, aumentarão contingente de desempregados.

Que nos preparemos para tratar as doenças físicas (leptospirose, febre tifóide, hepatites A e E...) e distúrbios emocionais (luto, depressão, ansiedade...) que, lamentavelmente, acompanham tragédias dessa magnitude.

Que a sociedade consiga acolher os desabrigados, de forma a evitar uma onda de crimes sem precedentes e o Estado coíba vigorosamente os saqueadores oportunistas.

Que, antes de reconstruir qualquer edificação, seja levado em conta o risco de uma nova destruição, eventualmente necessitando realocar-se comunidades inteiras para longe de vales alagáveis, lamentavelmente.

Que esta catástrofe faça com que, finalmente, sejam dedicados recursos adequados para prevenção de enchentes e planejamento urbano por parte das administrações públicas, obras que geralmente não aparecem nem geram votos, mas salvam a dignidade e a vida da população.

Que os políticos abrandem sua sanha sórdida por recursos públicos, abdicando do fundo eleitoral e do fundo partidário das próximas eleições municipais, destinando esses vultosos recursos para as vítimas e a reconstrução da infraestrutura do RS.

Que, dessa vez, o governo federal honre sua palavra e destine os recursos necessários para o reerguimento do RS, diferentemente do que ocorreu recentemente, em setembro de 2023, na enchente do Vale do Taquari, quando prometeu recursos e não enviou um centavo sequer.

Que cada um que se sentir tocado com essa catástrofe, procure colaborar de alguma forma (mão de obra, doações...), nem que seja através de orações.

Não sou nenhum arauto do apocalipse, mas alguma coisa muito grave está ocorrendo no nosso planeta (não estou me referindo especificamente a questões climáticas), desde a nítida alteração na percepção do passar do tempo até tragédias de diversas expressões, até então inimagináveis, pelo mundo afora...

 

Dr. Jonas K. Sebastiany / Médico do Trabalho

CRM-SC: 8.104 / RQE: 16.992

Diretor-Técnico-Médico da Rede Clínica Consulmed

Site: www.consulmed.med.br