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25/09/2009 12:06
Por:

Caador de sonhos

quarta-feira, uma daquelas em que a gente acorda meio sem rumo, com o cu acinzentado, dizendo que vai chover. O clima conspira para mais um ataque de nostalgia e com a cabea no encosto do nibus, vejo nas nuvens desenhos que me remetem infncia. Sim, o cu conta histrias; e me d fome. Me aprofundo e em estado de letargia me vejo na cozinha da casa de madeira da Honrio Porto que me viu crescer. Meu pai saa cedo para "abrir" a rdio e minha me preparava o caf - feijo com arroz, um ovo frito e uma xcara de leite antes de ir para a escola. Outra nuvem extensa, no desenho aparece o bar do "seu Didi", onde tem um balco que uma tentao para a gurizada, mandolate, lanche Mirabel, bombom Presidente e Sonho de Valsa misturados a outras dezenas de variedades de guloseimas. Um pouco adiante vejo no bar o "seu Beto", com suas mquinas de fazer sorvete. Mais adiante ainda est a lancheria da dona Eugnia, bem em frente ao cine Coliseu, onde tem matin; no bar da dona Eugnia tem chicletes Adams, aqueles bem pequeneninhos, e picols e sorvetes da Kibon; e s l que tem. Mais adiante ainda tem uma praa sem maconheiros e sem gente cheirando p ou fumando crack; e tem lindas roseiras, com mes que levam seus filhos para brincar e tirar fotos. Esta nuvem uma avenida, e l adiante fica o Pau-a-Pique, onde tem gilda pra vender, e, um pouquinho antes, no outro lado da rua, tem o Clube Rio Branco, onde s entram scios, e tem baile de debutantes, tem quadra de futsal com torneios todo ano, tem mesa de sinuca, de pingue-pongue e cancha de bolo. No vejo prdios altos e h campinhos de futebol com algazarra e gritaria, mesmo com chuva. No faz mal tomar banho na sarjeta e no arroio Laranjeiras, onde tem at peixes. No domingo as pessoas vo missa ou ao culto; o Mussum e o Zacarias esto vivos, e como so engraados, verdadeiros embaixadores da alegria e no se v apelao na TV pedindo dinheiro para ajudar as crianas; elas tem a sua prpria esperana. Tem tanta coisa escrita nas nuvens, pena que tem gente que no sabe ler. E num sacolejo do nibus saio da dormncia e o que vejo uma natureza bastante agredida; morros sem rvores, arroios sem gua, plantas sem vida. Vejo gente emburrada, uma gerao descompromissada que no sai mais s ruas, pois prefere se fechar em seu mundinho achando que a vida se resume internet e televiso. Vejo os homens que deveriam ser nossos representantes buscando somente interesses pessoais se lixando para tudo e para todos. Vejo um modismo exarcebado e um mundo de gente que prefere ter do que ser. E a eu me pergunto: por que tudo o que bom se vai ou sou eu que no consigo mais tirar proveito do que existe por a? Talvez esteja perdido no tempo e no espao, vivendo apenas de reminiscncias achando que vou encontrar a felicidade nos sonhos. Se so eles que me restam, talvez... Parafraseando Alphonsus de Guimaraens, como um templrio deslumbrado, a cruz a santificar a cervilheira altiva, levo o meu balo de cavaleiro aos prlios do mistrio, e de l volto desolado, porque no se colhem estrelas como se fossem rosas. Ops, mas o que isto, rapaz? Tu tem uma famlia linda, amigos que te amam, um trabalho digno, e se o mundo no est a teu contento, cabe a ti mud-lo. Ok, mas continuo achando que certos valores teriam que ser resgatados e as coisas que as pessoas que a gente ama no deveriam ser tiradas da gente.