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25/08/2009 16:56
Por:

Hist?ria de uma m?e an?nima

Uma jovem (a quem daremos o nome fictício de Maria) conheceu um homem que estava longe de ser o marido com que ela sonhava, mas como ele já lhe havia feito algumas visitas e tendo-a mesmo pedido em casamento, seu pai lhe disse que não poderia recusar. E tempo não faltaria para conhecer o marido. E foi exatamente assim. Ela logo pôde conhecer melhor o homem com quem se casara. Como diz a frase, o sujeito “não valia o que comia”, pois trabalho não era sua especialidade e não perdia oportunidade de tirar vantagem dos outros. Conseqüentemente, não sustentava a família. Como se não bastasse, chegava a tirar o pouco que a esposa possuía para dar à amante. E como Maria era receosa demais para protestar, o homem chegou ao cúmulo de trazer a amante para dentro de casa.
Sendo assim, Maria criou os cinco filhos praticamente sozinha, trabalhando nas lavouras de arroz com água até os joelhos, e lavando roupa para fora. Como não havia água encanada, lavava nos arroios e açudes, nem percebendo se havia geada ou sol escaldante. O que importava era que ela tinha cinco pequenas bocas para alimentar, mesmo que fosse apenas polenta com leite ou bolinho de farinha de mandioca. À noite, a rotina era pegar os filhos e trancar-se em um quarto, pois o marido costumava chegar bêbado e já havia ameçado matar a ela e aos filhos. Andava sempre com um facão, tendo às vezes também um machado.
Maria a tudo suportava, pois tinha muito medo e por pensar não ser correto deixar o homem com quem se casara. Mas houve um dia chuvoso de inverno, com frio cortante, em que foram despejados da pequena casa onde moravam. Já haviam sido notificados da venda da casa e da terra, mas ela não sabia que algo semelhante pudesse acontecer. A família foi acolhida pelo irmão do marido de Maria, que lhes destinou um galpão. Foi depois disso que ela, não suportando mais as ameaças, resolveu deixar o marido.
Os filhos já tinham idade suficiente para ter sua própria opinião a respeito do pai, e resolveram ficar ao lado de sua mãe. Foi através da ajuda de um irmão e de sua mãe que Maria conseguiu uma pequena casa para morar com os filhos. Ela continuou trabalhando muito, mas um pesadelo a perseguia: ela não conseguia deitar e dormir sem medo de ser morta, ou de ver um dos filhos morto pelo pai.
Passou-se algum tempo, e houve um dia em que Maria conheceu um homem, também separado, que a convenceu a ficar com ele. Ele prometia dar-lhe tudo o que o outro não dera. No entanto, o que realmente lhe deu foram mais dois filhos, um menino e uma menina.
Este menino é a razão desta história.
No momento em que ele nasceu, foi como se um príncipe tivesse vindo ao mundo. Todos o agradavam, os irmãos mais velhos, a mãe. Enfim, foi sempre amado por todos. Maria continuava a trabalhar muito para sustentar a si e ao menino, sempre passando por dificuldades. Quando nasceu a menina, Maria teve que entregá-la a uma tia para criar e educar, e esta o fez muito bem. A menina sempre foi tratada como filha legítima, tanto como os outros filhos, mas a tia jamais escondeu quem era sua mãe verdadeira. Também não manteve segredo sobre as razões que levaram sua mãe a entregá-la, além do que esta a via sempre.
Na verdade, o que levou Maria a tomar esta atitude foi o fato de estar muito doente e não ter condições de sustentar sozinha as duas crianças, pois o pai jamais lhes deu qualquer tipo de auxílio. E ela continuou a trabalhar muito para sempre dar o que fosse possível ao menino. Foi então trabalhar numa casa de família, em Porto Alegre, onde foi muito bem recebida com o filho. O menino era chamado pela família de “Rei Artur”, pois todos gostavam dele. Saindo de lá, Maria foi trabalhar em outra casa, onde foi muito maltratada. Isso fez com que decidisse voltar para perto dos outros filhos, que já se sustentavam e que sempre a apoiavam.
Os anos passavam, o menino crescia e foi sempre muito apegado a Maria, a ponto de não aceitar sequer freqüentar as aulas ou o ensino confirmatório, pois não queria deixar a mãe só (talvez não tenha aprendido o quarto mandamento). Quando rapaz, conheceu uma moça com quem começou a namorar. Maria ficou muito feliz, pois ela era uma parente distante. Parecia realmente uma boa moça.
Já aposentada, Maria mobiliou, em prestações, toda a casa em que iriam morar. Arrumou tudo, mas verificou depois que não era mais bem recebida e voltou para seu “canto”. Quando nasceu a neta, o filho pediu a Maria que cuidasse da menina. No entanto, ela somente podia ficar com ela quando estavam na lavoura; do contrário, a nora não a deixava com a criança. Maria não podia sequer sentar-se à mesa com eles, nem mesmo tomar chimarrão. Quando eles entravam em casa, ela tinha que sair, ou trancar-se no seu quarto.
Por ser uma pessoa sempre disposta a ajudar a todos, foi posta para fora, por querer arrumar a casa e remendar as roupas do filho. Isso desgostou a nora (que, no entanto, gostava quando Maria comprava móveis ou utensílios domésticos). A partir desse momento, o filho não a procurou mais e não mais deixaram que ela visse a neta, nem mesmo quando a menina esteve no hospital. Como sempre, Maria foi bem recebida pelos outros filhos, que ficaram muito magoados com as atitudes do irmão, que nunca mais procurou nem a eles nem a mãe.
Maria continuava trabalhando para ajudar os filhos no que pudesse, pois ela é daquelas raras pessoas que apenas se sentem bem trabalhando e ajudando aos outros. Qualquer pessoa que a conhece sabe que ela está sempre disposta a ajudar, seja cuidando de doentes, seja como acompanhante para consultas em outras cidades, retirando fichas no SUS para os filhos, genros, noras, netos, etc. Tanto é que os médicos brincam dizendo que ela vem consultar para os outros, já que tira receitas e remédios para toda a família, isto sem nada receber em troca, às vezes nem um “muito obrigado”.
No entanto, a idade às vezes impõe algumas limitações e ela, com mais de 70 anos, talvez não esteja mais conseguindo fazer tudo o que antes fazia, pois agora há mais filhos se revoltando contra ela, dizendo que está louca e que não a agüentam mais. E ela está muito infeliz com isto, chegou a envelhecer dez anos na aparência e anda doente. Por isto eu pergunto: se ela morresse hoje, quem iria chorar por ela? Será que os filhos esqueceram tudo o que ela passou para criá-los? Ou estarão esquecendo que eles também um dia ficarão velhos? (Isso se Deus não os chamar antes). Talvez precisem relembrar esta história, para que o mesmo não aconteça com eles e com cada filho que a ler. Quantas vezes esquecemos que nossos pais, principalmente a mãe (que nos carregou nove meses na barriga), passaram noites em claro a nos cuidar quando éramos pequenos! E, quanto mais o tempo passa, mais se preocupam com os filhos! Que cada filho que ler esta história faça um exame de consciência e relembre o quarto mandamento de Deus: “Honrarás o teu pai e tua mãe, para que vás bem e que vivas muito tempo sobre a terra”.