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Folha 24 anos: o ofcio de informar e registrar a histria local
Escrever, hoje e sempe
No ltimo dia 18, a Folha de Candelria completou mais um ano de atividades. Embora no representem ainda um quarto de sculo, os vinte e quatro anos do jornal j so suficientes para configurar uma trajetria plena de conquistas. De certa maneira, e desconcertante observ-lo, as ausncias tambm fazem parte dessa jornada, pois em momento algum os ausentes so relegados ao esquecimento. Nesse sentido, pode-se dizer ainda que a histria no feita apenas de palavras e de atos, mas tambm de silncios e de elipses. Ao longo de todos esses anos, como no poderia deixar de ser, observou-se rigorosamente a sucesso de dias e noites, a sequncia natural dos ciclos lunares, a demarcao rgida das estaes. sob o signo desse harmonioso equilbrio que se inscreve nossa histria, direcionando nossos olhares, de forma inelutvel, para o carter de finitude prprio a tudo que humano. A dvida de que maneira responder a esse desafio de forma perene, no contaminada pela mortalidade. Um incio de resposta pode ser encontrado nas palavras precisas de Daniel Pennac, para quem a origem da escrita reside sobretudo no fato de nos sabermos mortais. Desse modo, desafiamos o tempo, suas consequncias imediatas e as mais remotas.
Por outro lado, a Folha a soma do trabalho de muitas mos, caracterizada pela multiplicidade de vozes que nela atuaram ou ainda atuam. Embora jamais se chegue ao fim no processo contnuo de aperfeioamento, no se pode considerar o jornal como um fruto imaturo. E, tal como a conhecemos hoje, a Folha fruto do tempo. Um antigo anncio veiculado em nossas pginas mostrava sobre uma mesa um cesto de pes e, ao lado, o jornal - respectivamente, os alimentos do corpo e o do esprito. O tempo do po pressupe a preparao da terra, o plantio das sementes, a germinao e o desenvolvimento dos brotos, o amadurecimento das espigas, a colheita do trigo, o trabalho de engenho, a transformao dos gros em farinha e, por fim, as mos dando forma ao que, no calor do forno, se converte em po. Com a Folha o processo semelhante. A terra j estava preparada e a ideia, amadurecida. Faltava apenas colher na fonte as informaes, rascunh-las sobre o papel, a fim de que esses mesmos dados ganhassem a forma definida de um texto mais bem acabado. Mais tarde, todos os textos seriam reunidos e, juntamente com as fotografias e os anncios, ganhariam aos poucos a forma de pginas. Esse processo repetiu-se ao longo dos anos, sendo sucessivamente aperfeioado pela soma de experincias e modernizado pela tecnologia.
vlido recordar aqui um dos atributos mais caractersticos da escrita: a possibilidade de aglutinar em poucas linhas sculos de tradio. Nesse sentido, os 24 anos de jornal condensaram em suas pginas praticamente toda a Histria do municpio de Candelria, no se restringindo, porm, s suas fronteiras. Em esfera mundial, importantes questes foram levantadas, nessa primeira dcada do sculo 21, no campo das cincias sociais e humanas. Entre outros assuntos, busca-se conceituar e estabelecer diferenas entre informao e sabedoria. Zygmunt Bauman salienta o quanto a noo de indivduo est relacionada ao seu desempenho como consumidor. Numa poca em que todo um aparato tecnolgico constantemente renovado, modernizado e substitudo, tudo se torna transitrio, fugidio, e o prprio ser humano corre o risco de ser considerado como um produto dessa engrenagem, igualmente descartvel, na viso do socilogo polons. Tudo adquire um carter de impermanncia. O filsofo francs Luc Ferry particularmente claro ao abordar o aspecto de tecnicidade que caracteriza a civilizao nesses ltimos anos, no sentido de que a tecnologia, que deveria ser vista como instrumento para se alcanar um objetivo mais elevado, se tornou o prprio fim almejado. Diante disso, a pergunta se torna quase um imperativo: por que continuar escrevendo? O questionamento poderia ser feito em qualquer poca, independente de sua contextualizao histrica e social. Contudo, talvez em nenhum outro momento a resposta fosse a mesma. Por mais que alguns escritores se mostrem cticos quanto ao papel da escrita em nossos dias, afirmando que, na realidade mais imediata, nada ser alterado, temos razes para discordar. Talvez esse pensamento esteja correto quanto literatura, e mesmo assim discutvel. Entretanto, as razes para que se pense de outro modo so vistas dia aps dia, atravs de palavras e imagens que, circulando rapidamente pelas ruas e pelo mundo, geram reaes, foras no imaginadas ou mesmo no esperadas, imprevistas, criando, desse modo, novas realidades, novos pensamentos, outros significados. No se quer dizer aqui que as palavras possuam o poder de transformar o mundo. Podem, isso sim, mudar nossa maneira de v-lo e de ver a ns mesmos. necessrio lembrar tambm que as palavras, dependendo de como so usadas, constituem atos em si, e muitas vezes nada sutis. No, no possvel mudar o passado. Mas o presente e futuro em muito dependem do que hoje escrevemos. De que maneira? Aceitando alguns desafios. Quais desafios? Entre muitos outros, este: escrever, hoje e sempre, no importa sob que condies. E, nesse trabalho dirio de retratar a realidade, no se restringir aos bastidores, mas sim fazer parte da Histria. A todos, uma boa leitura.
Maro de 2010