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Geral 13/03/2023 11:15
Por: Charles Silva

Especialistas pedem revogação do novo ensino médio

MEC abriu consulta pública para avaliação e reestruturação da política

Entidades e pesquisadores da área da educação afirmam a necessidade de revogação da lei de 2017 que estabeleceu o novo ensino médio e sugerem a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio publicadas em 2012. Na última semana, o Ministério da Educação (MEC) abriu consulta pública para avaliação e reestruturação da política nacional de ensino médio.  A consulta tem prazo de 90 dias para as manifestações, com possibilidade de prorrogação. Ela será implementada por meio de audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares sobre a experiência de implementação do novo ensino médio nos 26 estados e Distrito Federal.

Entretanto, para os especialistas, antes do diálogo, é urgente a revogação da medida.Para o professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, a reforma tem gerado muita desorganização das redes, desestruturação curricular e baixíssima formação dos estudantes. "É algo que precisa ser, de fato, denunciado”, resaltou.

De acordo com a presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Jade Beatriz, ao ser anulada, será necessário que o governo receba estudantes, professores e profissionais da educação pra poder formular e concretizar um modelo de ensino que faça sentido pra nossa geração.

Para a professora e coordenadora do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mônica Ribeiro da Silva, a estratégia da consulta pública, pelo prazo apresentado, pode desmobilizar o debate nacional que já está em andamento. Ela sinaliza que não há a disposição do governo para uma mudança mais estrutural, de revogação, mas sim de fazer ajustes naquilo que já existe na reforma do ensino médio.

Procurado pela reportagem, o MEC encaminhou declaração pública do ministro da Educação, Camilo Santana, em que esclarece que a consulta é exatamente para orientar e subsidiar as decisões que serão tomadas.“Já identificamos que há necessidade de correções, necessidade de um bom debate. Porém,  as decisões precisam ser tomadas brevemente, pois as diretrizes da política servirão de base para a elaboração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024. Além disso, o novo ensino médio já está em andamento na sua implementação.

 

O novo ensino médio

A atual política do ensino médio, Lei 13.415/2017, foi aprovada em 2017 com o objetivo de tornar a etapa mais atrativa, implantar o ensino integral e evitar que os estudantes abandonem os estudos.Pela lei, para que o novo modelo seja possível, as escolas devem ampliar a carga horária para 1,4 mil horas anuais, o que equivale a sete horas diárias. Isso deve ocorrer de forma escalonada até 2024.

Com o modelo, parte das aulas deverá ser comum a todos os estudantes do país, direcionada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Na outra parte da formação, os próprios alunos poderão escolher um itinerário para aprofundar o aprendizado. Entre as opções, está dar ênfase às áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ao ensino técnico. A oferta de itinerários, entretanto, depende da capacidade das redes de ensino e das escolas.

 

Estrutura insuficiente

Já para a presidenta da Ubes, Jade Beatriz, além da grade curricular ruim, o novo ensino médio desconsidera as diversas realidades estruturais do país e agrava as desigualdades sociais. “Enquanto estudantes de escolas particulares estão nos laboratórios de robótica, química e física, temos aula de como fazer brigadeiro na grade curricular da escola pública. Isso é muito injusto! Nesse modelo não há um incentivo e capacitação para querer adentrar a universidade”, argumentou.

A professora Mônica Ribeiro afirma que o novo ensino médio fragiliza a formação dos estudantes e aumenta a evasão e abandono escolar. Ela cita a redução de carga horária de disciplinas como sociologia, filosofia e biologia, “que os estudantes precisam, inclusive se quiserem cursar a universidade”, e critica a substituição dessas por “coisas” como: “fazer brigadeiro, como cuidar dos pets, como fazer sabonete”.

Além disso, para Mônica, é falsa a possibilidade de escolhas dos estudantes, já que muitas escolas, justamente pela falta de estrutura citada por Jade, oferecem apenas um itinerário formativo, sobretudo aquelas dos municípios menores ou das periferias das grandes cidades, “gerando uma desigualdade imensa do acesso a conhecimento entre os estudantes”.

Nesse mesmo sentido, o presidente da CNTE lembra que em Pernambuco, onde um modelo semelhante ao novo ensino médio já vinha sendo aplicado há 17 anos, mais de 800 mil jovens entre 15 e 29 anos não concluíram o ensino médio, enquanto aqueles que concluíram ou estão matriculados somam 341 mil. Segundo ele, “quando você fecha três turnos da escola e coloca ela em tempo integral, você tira a juventude da escola, principalmente os mais pobres que precisam ajudar a família a ter o sustento do dia a dia”, disse Araújo, também destacando negativamente o esvaziamento do conteúdo disciplinar.

Para o diretor do Sesi/Senai, Rafael Lucchesi, a reforma vai na direção certa ao superar o modelo de ensino passivo-reprodutivo e incentivar o protagonismo do estudante na construção de um projeto de vida e de carreira por meio de uma abordagem interdisciplinar.

“Acreditamos, portanto, que os debates devem ser direcionados para identificar os gargalos e possibilitar uma implementação efetiva do modelo”, disse. “Para isso, são indispensáveis investimentos, não só em estruturas físicas e equipamentos, como também na formação de professores, cujo papel é determinante para as transformações do sistema de ensino e manutenção da qualidade da prática pedagógica e dos resultados da aprendizagem”, destacou.

 

FONTE: Agência Brasil