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Fisioterapeuta percorre o mundo para salvar vidas
Nesta primeira edio de 2011, a Folha estampa um exemplo nobre de profissionalismo e que deveria ser seguido em todo mundo. Trata-se do trabalho prestado pela fisioterapeuta santa-cruzense Letcia Pokorny, 35 anos, e que possui consultrio em Candelria desde 2007. H quatro anos, quando comeou a participar de misses humanitrias, ela mudou totalmente sua rotina pessoal e profissional para ajudar outras pessoas. Desde ento j viajou para inmeras regies da Indonsia, Nigria, Paquisto, Haiti e frica. A mais recente foi de agosto a novembro do ano passado. E os planos so de seguir adiante.
Mais do que conhecer novos rostos, lugares, culturas ou histrias de vida, Letcia aprendeu o quanto seu trabalho pode ser dignificante para o homem e para o corao. Emocionada, ela disse que prestar auxlio a pacientes de tantos lugares, na maioria das vezes desassistidos, um privilgio de Deus. "Sou apaixonada por isso. o que me satisfaz. No me imagino sem poder fazer esse tipo de trabalho", afirmou, acrescentando que os pacientes do consultrio tambm lhe do apoio incondicional. "Felizmente eles compreendem e me incentivam a participar das misses". Assim Letcia divide o tempo entre as viagens e o atendimento no consultrio local (condomnio Dona Lyzinka, sala 20). "Poder fazer algo por quem no tem amparo do governo ou da prpria famlia, em funo das limitaes financeiras, me d mais nimo para seguir adiante. Tem me engrandecido como pessoa e como profissional", exps.
Tudo comeou em junho de 2006, quando ela fazia um curso de aperfeioamento em Londres. "Eu tinha encaminhado um currculo para a ONG Handicap International (confira box). No ms de abril daquele ano j tinha sido chamada para uma entrevista e recebido convite para viajar ao Afeganisto com objetivo de reformular, juntamente com o Ministrio da Educao de l, o curso de Fisioterapia. O objetivo era melhorar o currculo do curso", disse. Mas no foi o que aconteceu. "Em funo de um terremoto que ocorreu na Ilha de Java, na Indonsia, a ONG me convidou para integrar um projeto voltado ao atendimento das vtimas", explicou.
CHOCANTE - Ao chegar na Indonsia, Letcia se deparou com imagens impressionantes. "Foi chocante ver o quanto a fora da natureza pode devastar uma regio. O que mais chamou ateno foi a dificuldade de locomoo das vtimas e a falta de assistncia por parte dos prprios familiares e do governo", detalhou. O trabalho desenvolvido no local foi dirigido a 500 paraplgicos e 50 amputados - maioria havia perdido os movimentos porque foi atingida pela queda de suas moradias. Depois disso, a fisioterapeuta esteve em cidades da Nigria, desta vez a convite da ONG Mdicos Sem Fronteiras (confira box), por duas ocasies. No Paquisto, onde desempenhou sua quarta misso, Letcia viveu momentos de medo. Ela prestou auxlio s vtimas da guerra entre os talibs e o governo paquistans e a base do servio no ficava muito distante das regies de conflito. "O risco de bombardeio era constante. A toda hora algum podia ser atingido", destacou. As passagens que se seguiram foram por Porto Prncipe, no Haiti (duas vezes), e pela Repblica Democrtica do Congo, na frica Central.
ALEGRIA E TRISTEZA - Nestas idas e vindas, Letcia se deparou com situaes difceis e que exigiam esforo no s das equipes mdicas, mas dos pacientes. Entre os tantos que atendeu, dois lhe marcaram profundamente. "Tive uma paciente de 17 anos que desistiu do tratamento e preferiu ir para casa descansar. Na hora achei uma ingratido da parte dela porque toda equipe estava engajada em ajud-la. S depois entendi que ela, na verdade, estava cansada de tanta medicao e cirurgia e que s queria morrer em paz. Ela tinha sofrido um acidente e teve fratura na coxa com perda de pele. Estava se tratando h uns quatro meses", lamentou. "No Haiti um paciente paraplgico, de 22 anos, que no alimentava esperanas de se locomover me ensinou muito. Depois de conseguirmos uma cadeira de rodas e de iniciarmos o tratamento, ele simplesmente recuperou a vontade de viver e andava pra todo canto com a cadeira, numa alegria s. Isso tambm me marcou".
MAIS - Os trabalhos desenvolvidos por Letcia e outros profissionais foram bancados pelas ONGs anteriormente citadas. Os voluntrios recebem ajuda de custo com viagem, hospedagem e alimentao, mas trabalham de segunda a domingo e a qualquer hora do dia. Logo depois de retornar ao Brasil em novembro do ano passado, ela recebeu convite para integrar uma nova misso frica para auxiliar na reabilitao em cirurgia ps-ginecolgica, mas preferiu ficar mais alguns meses no Brasil para se dedicar ao consultrio. "Quero descansar por uns seis meses, mas depois viajo de novo", garantiu.
As misses
1 - Indonsia, junho 2006
Atuou como supervisora em um projeto que atendia paraplgicos e amputados vtimas do terremoto ocorrido no fim de maio daquele ano na Ilha de Java, na Indonsia. Foi enviada pelo ncleo francs da ONG Handicap International. Era a nica brasileira numa equipe de 12 profissionais. Chefiou e treinou um grupo de fisioterapeutas daquela regio e fisioterapeutas dos hospitais locais. A maioria dos pacientes era paraplgicos porque as casas caram durante o terremoto atingindo os moradores. O projeto que integrou prestou auxlio para 500 paraplgicos e 50 amputados. O atendimento era feito nos vilarejos e nos hospitais. As pessoas recebiam cadeiras de roda, colches especiais, rteses, enfim, todo suporte necessrio para a reabilitao. Tempo de permanncia: cinco meses.
2 - Nigria, julho 2008
Foi convidada pela equipe francesa da ONG Mdicos Sem Fronteiras, com escritrio nos Estados Unidos, a prestar atendimento no Hospital de Trauma na cidade de Port Harcourt, na Nigria. No local no h atendimento gratuito e o ndice de violncia no trnsito alto. Fez reabilitao hospitalar e ambulatorial de pacientes que haviam passado por cirurgias ortopdicas de alto nvel e atuou na superviso dos atendimentos. Tempo de permanncia: trs meses.
3 - Nigria, maro 2009
Retornou a cidade de Port Harcourt, na Nigria, para reavaliar o servio que havia iniciado no Hospital de Trauma. Tambm viajou para uma cidadezinha rural chamada Jahun, localizada na regio Norte daquele Pas, onde participou de um programa de cirurgia ginecolgica em mulheres com incontinncia urinria. Foi encarregada de montar o servio de fisioterapia para a reabilitao teraputica e de treinar os profissionais. Tempo de permanncia: um ms e meio.
4 - Paquisto, agosto 2009
Prestou suporte tcnico num projeto psicossocial de reabilitao e proteo s pessoas vulnerveis (crianas, mulheres, idosos e portadores de alguma deficincia fsica ou mental) no Paquisto. Os pacientes atendidos eram vtimas da guerra entre os talibs e o governo paquistans. Viajou a convite da ONG Handicap International para coordenar todo funcionamento do projeto. A base do servio era na cidade de Peshawar, de onde as equipes saiam para atender nas zonas livres da guerra. Tempo de permanncia: trs meses.
5 - Haiti, maro 2010
Integrou projeto da ONG Handicap International voltado fabricao de prteses e que proporcionava a reabilitao fsica de amputados, em Porto Prncipe, capital do Haiti. Os pacientes eram as vtimas de um terremoto ocorrido naquele Pas. Tempo de permanncia: trs meses.
6 - frica, julho 2010
Atendendo convite da equipe holandesa da ONG Mdicos Sem Fronteiras, foi para a Repblica Democrtica do Congo, na frica Central. Atendeu 30 vtimas de uma exploso que matou e feriu centenas de pessoas. Os pacientes estavam internados num hospital daquela regio e receberam assistncia em cirurgia plstica e fisioterapia e demais cuidados mdicos. Tempo de permanncia: duas semanas.
7 - Haiti, agosto 2010
Atuou como fisioterapeuta supervisora num hospital de Trauma instalado em Carrefour, cidade prxima de Porto Prncipe, no Haiti. No local eram atendidas vtimas de trnsito e de terremoto. Em outubro, com o surgimento de um surto de clera, o hospital foi transformado num centro de tratamento da doena, ocasio em que tambm prestou auxlio logstico para dar incio aos atendimentos. Tempo de permanncia: quatro meses.
Sobre as ONGs
1) A Handicap International uma organizao internacional especializada na rea de reabilitao e logstica. No-governamental, no-religiosa, no poltica e sem fins lucrativos, trabalha ao lado de pessoas com deficincia, seja qual for o contexto, oferecendo assistncia e apoio para que se tornem autossuficientes. Foi fundada em 1982 por dois mdicos franceses e um tcnico para ajudar as pessoas refugiadas em acampamentos do Camboja e da Tailndia. Inicialmente estabelecida na Frana, se estendeu para mais sete pases (Blgica, Canad, Alemanha, Luxemburgo, Sua, Reino Unido e EUA). Desde ento criou programas em cerca de 60 pases e atuou em muitas situaes de emergncia. Possui uma rede de oito federaes nacionais que fornecem os recursos humanos e financeiros, gerenciam projetos e sensibilizam para as aes e campanhas.
2) A Mdicos Sem Fronteiras uma organizao mdico-humanitria internacional, independente e comprometida em levar ajuda s pessoas que mais precisam. Alm disso, procura tornar pblico situaes enfrentadas pelas populaes atendidas. Possui em torno de 28 mil profissionais de diferentes reas, espalhados por mais de 60 pases, atuando diariamente em situaes de desastres naturais, fome, conflitos, epidemias e combate a doenas negligenciadas. A organizao foi criada em 1971, na Frana, por jovens mdicos e jornalistas, que atuaram como voluntrios no fim dos anos 60 em Biafra, na Nigria. uma iniciativa independente de governos e sustentada, em grande parte, por contribuies privadas, o que lhe confere agilidade e liberdade para oferecer ajuda humanitria onde for necessrio.