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Opinião 08/05/2021 10:29
Por: Redação

Por Erni Bender: Adeus mamãe

Quando terminou e o padre disse amém, senti a testa de minha mãe esfriar. Com o terço na mão, ela apertou a mão de minha cunhada e finalmente foi levada pelos anjos

No dia 16 de fevereiro fiz, talvez, a mais triste viagem de minha vida. Recebi uma mensagem de meu irmão, que minha querida mãe estava na UTI de um hospital de Curitiba, sem nenhuma esperança de sair de lá com vida. Sem dúvida nenhuma uma noticia chocante e, por mais que a gente saiba que a pessoa está doente, como era o caso de minha mãe, temos a tendência de acreditar em milagres. Afinal, estávamos falando da mulher mais corajosa que conheci na minha vida.

Minha mãe, Dona Betty, nasceu em família pobre, filha de imigrantes, pai húngaro e mãe natural da Iugoslávia (Croácia hoje). Tinha um temperamento forte, e não poderia ser diferente, sendo filha de etnias tão marcantes, ciganos, que vieram ao Brasil para fugir da grande guerra. Minha mãe não teve infância fácil não, morava em uma chácara, em Esteio, onde plantava, alimentava os animais e cuidava da casa. Foram anos muito difíceis. Meu avô, carpinteiro, lutava muito para dar sobrevivência à família, e minha vó, juntamente com minha mãe e tio, davam duro na chácara para de lá tirar o sustento, complementando o que meu avô conseguia na sua profissão. Aprendeu o corte e costura, e foi durante muito tempo costureira, antes e depois de casar. Por isso, não teve moleza em nenhum momento de sua vida.

Aos 16 anos, conheceu meu pai, de Santa Rosa. Casaram-se, tiveram filhos e, depois de alguns anos, depois de muito lutar, foram tentar a vida na cidade de Curitiba. Meu pai, na época não havia Bolsa de Valores, foi ser corretor de ações, tipo vender ações de porta em porta. Nesse ofício, ele conseguiu o sustento durante muito tempo, chegando inclusive a fazer um bom “pé de meia”. A mãe, ficava em casa com os cinco filhos, muitas vezes fazendo horta para que nós pudéssemos vender para a vizinhança e pela cidade o fruto desse trabalho. Ela não cansava nunca. Criou os cinco filhos mais uma, que veio 10 anos depois. Foram, assim, seis filhos, e ela cuidou de todos.

A mãe não conheceu na vida o carinho de pai ou mãe. O sistema era bruto e ela conheceu esse sistema. Nada de afagos ou ternura; ela era durona! Caiu? Machucou? A gente tinha que se virar. Não havia dó nem piedade da parte dela, mas não se engane: foi uma grande mãe, ensinou o caminho da verdade, da honestidade e, da maneira dela, do amor. Se algum irmão não entendeu é porque não prestou atenção. A mãe era forte. Poucas vezes vi ela chorar. Raras vezes, jamais vi minha mãe demonstrar sentimentos amenos. Como já disse, ela era durona. Depois que cresci, percebi o grande amor que ela nutria por todos nós. Infelizmente, alguns não entenderam e agora é tarde pra entender a grandeza de minha mãe.

Quando cheguei na terça-feira, 16, ao hospital, a médica veio falar comigo e me explicou que o quadro da mãe era irreversível. Ela tinha entupimento nas veias, os rins já não funcionavam, e ela não tinha mais forças para reagir. Nenhum procedimento naquele momento salvaria a vida dela. Uma carga de adrenalina passou pelo meu corpo e, meio confuso, entrei na UTI, que já estava previamente programada para me deixar entrar, para me despedir da minha amada mãe. 84 anos, de luta, de história....Ela estava em coma: triste. Pude fazer carinho em sua cabeça, falei com ela e ela se mexeu. Talvez e acredito que sim, ela me ouviu, e pude dizer a ela o quanto a amava. Quando o pessoal da UTI pediu pra sair, eu estava arrasado. A fortaleza finalmente se rendia à doença. Porém, ela estava viva ainda. Outro médico me disse que talvez ela estivesse esperando a minha chegada para então partir. Mas não...

Na quarta-feira, 17, pela manhã, conversando com minha cunhada Mari, ela lembrou que a mãe havia pedido uma bênção de um padre. Lembrei que ela havia me falado também, não houve tempo de chamar um padre. Saímos, eu e minha cunhada em direção à igreja perto da casa de meu irmão e lá solicitamos a presença do padre. Porém, em época de pandemia, nenhum padre poderia ir até a UTI. Então gravamos a unção. Uma bela bênção que o padre gravou em meu celular. Às 13h, eu e minha cunhada nos dirigimos à UTI, e lá coloquei a mão em sua testa, minha cunhada colocou um terço na mão de minha mãe e coloquei a gravação pra ela escutar. Tinha seis minutos de gravação. Quando terminou e o padre disse amém, senti a testa de minha mãe esfriar. Com o terço na mão, ela apertou a mão de minha cunhada e finalmente foi levada pelos anjos. Eu quase pude ver e não pensem que enlouqueci, mas eu senti a partida dela, quase visível. Minha cunhada sentiu o mesmo. Ali ocorreu o fim de uma grande mulher, uma pessoa do bem, de fibra, de força, uma lutadora como jamais vi igual. Rezamos um pai nosso, e nos despedimos de dona Betty. Avisei os irmãos e chegaram o meu irmão Jeferson, meu sobrinho Henrique e fomos cuidar das questões funerárias e cremação. A mãe amava o Rio Grande do Sul e as cinzas dela serão espalhadas aqui, lugar que ela tanto amava. Ficou o vazio que jamais será preenchido. Ficaram algumas coisas pendentes que ouvi no celular dela, algumas gravações, algumas lembranças. Mais nada, a não ser a certeza que um dia nos encontraremos, se eu tiver a chance de passar no céu. Porque é certo que ela estará lá...