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25/08/2009 16:56
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Get?lio Vargas e a 2? Guerra Mundial, reflexos em Candel?ria: os salvo-condutos

Por Marli Marlene Hintz, pesquisadora e escritora

Em 1933, quando o nazismo chegou ao poder na Alemanha, Getúlio Vargas já era Presidente do Brasil. Na Europa, em um de seus discursos, Hitler declarava que “no Brasil, encontraria tudo de que tinha necessidade”. Toda a região sul-americana, onde havia imigrantes alemães, era incluída em seus mapas e deveriam, segundo ele, integrar-se ao partido nazista. Por isso, despachava seus agentes à América do Sul, incluindo o Brasil, a fim de aliciar elementos do povo para a criação do partido. Porém, o líder alemão logo encontrou um problema: a resistência a seus ideais pela grande maioria de seus compatriotas, aqui radicados, ou de seus descendentes, que abertamente o rechaçavam. A estes, mandou perseguir e hostilizar com atos de violência. De toda nação brasileira, apenas duas mil pes-soas teriam recebido “com certo interesse” a sua proposta, entre eles, principalmente, os integralistas que, desde 1935, eram ferozmente repreendidos por Getúlio e com os quais, através de seus “braços fortes”, superlotava as cadeias das principais cidades brasileiras. Contudo, ao extinguir os partidos políticos no Brasil, Getúlio Vargas colocou o ideal nazista, assim como a todos os outros, em total ilegalidade.
Mas, desprezando o ideal liberal e sob o comando do Estado Novo (1937), Getúlio Vargas obtinha avanços consideráveis, aumentando a cada dia seus domínios no campo da economia brasileira, aproveitando todas as ocasiões para negociar com o Estado Alemão. As cotas de exportação colocavam a Alemanha em 2° lugar no comércio exterior brasileiro (19,1%), aproximando-se, ano a ano, ao índice das negociações norte-americanas (34,3%).
Em 1939, iniciava-se a 2ª Guerra Mundial, dividindo a Europa em duas: a das nações totalitárias, comandadas pela Alemanha e a Itália, e a dos países democráticos liberais, lideradas pela França e pela Inglaterra. Nas Américas, os Estados Unidos apoiavam os ideais liberais. No sul, o Uruguai, a Argentina, o Chile e o Brasil mantinham-se neutros, devido ao bom comércio com os países totalitários. Devido a esses interesses econômicos, Getúlio Vargas declarava abertamente sua decisão de abster-se “de qualquer ato que, direta ou indiretamente, facilite, auxilie ou hostilize a ação dos beligerantes”. Em resumo: o Brasil manter-se-ia neutro na questão da guerra.
Ainda em 1940, Getúlio Vargas afirmava: "Felizmente, no Brasil, criamos um regime adequado às nossas necessidades, sem imitar outros nem se filiar a qualquer das correntes doutrinárias e ideológicas existentes". Isso era uma demonstração clara de que o Brasil manteria suas negociações com os países do Eixo (Alemanha e Itália), o que contrariava, de fato, os interesses dos Estados Unidos. Nesta gangorra de quem daria mais, se os países aliados ou os do Eixo, Getúlio buscava um vasto desenvolvimento para o país: reequipamento e ampliação das ferrovias, a construção da hidrelétrica Paulo Afonso, a instalação da indústria aeronáutica, a importação de navios e equipamentos militares pesados e a criação da Usina Siderúrgica de Volta Redonda. Para implantar essas ações, ele necessitava, no entanto, ou o apoio financeiro norte-americano ou a ajuda dos países totalitários. Só assim conseguiria a autonomia definitiva do território brasileiro que passaria também a atuar na produção bélica. Além disso, quebraria o monopólio da produção de aço americano, algo totalmente inconcebível para a United States Steel, que vetou o negócio. Para os norte-americanos que, desde 1920, dominavam as maiores e melhores jazidas de aço e ferro brasileiros, através de concessões feitas ao capitalista Percival Farquhar, o Brasil deveria con-tinuar lhes fornecendo a matéria-prima e importando o produto, ou seja, vender barato e comprar a preço de dólar. Getúlio, porém, não se deu por vencido. Ameaçando suspender a concessão do minério brasileiro, ainda declarou que passaria as obras de Volta Redonda ao grupo alemão Krupp, uma vez que a Alemanha já fornecia, ao exército brasileiro, todas as peças de artilharia de que necessitava. Assim como o Brasil, o Uruguai, a Argentina e o Chile alinhavam-se cada vez mais com a Alemanha. Frente a isso, o Governo Americano reviu sua decisão e emprestou os 70 milhões de dólares necessários à construção de Volta Redonda, além de 100 milhões de dólares em armamento, ainda que para Monteiro Góes (Ministro de Guerra) e Francisco Campos (Ministro da Justiça) tenha sido um péssimo negócio, pois consideravam o armamento alemão de superior qualidade. Em contrapartida, Getúlio ainda cedeu uma área em Natal, para construção de uma base militar norte-americana. Esta base era imprescindível aos EUA que, só assim, alcançariam o território africano com os seus aviões, caso entrassem na guerra. Na época, eles ainda não dispunham de aeronaves com capacidade para alcançar distâncias maiores. Mas para as entidades de segurança nacional, essa base representava um perigo eminente, pois através dela os norte-americanos poderiam facilmente apropriar-se do próprio país. Além disso, todas essas me-didas começavam a minar as boas relações com o Eixo. E na Terceira Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, em 1942, os Estados Unidos fazem pressão direta para que os países americanos rompam relações com a Ale-manha. Através dos Acordos de Washington, Getúlio Vargas cede, a fim de regularizar o comércio do café, cacau, tecidos e produtos industriais e minerais, embora os demais países sul-americanos ainda resistam.
Enquanto o Japão conseguia sua primeira façanha, a de bombardear uma base americana no Havaí, torpedos com a insígnia nazista afundavam navios brasileiros. Até hoje, alguns historiadores discutem se, de fato, os torpedos teriam sido alemães ou mais uma estratégia militar norte-americana que, ao sentir-se ameaçado tanto pela nova força econômica brasileira quanto pela Alemanha, forçava o Brasil contra Hitler. Ao mesmo tempo, a Inglaterra bloqueava navios alemães, impossibilitando-os de manter contatos comerciais com o Brasil. O certo é que, em 11 de março de 1942, devido ao ataque já a cinco navios brasileiros, Getúlio Vargas tomou posição contra o Eixo, aliando-se definitivamente aos Es-tados Unidos.
Se antes de 1935, muitos imigrantes alemães ou seus descendentes haviam sido perseguidos no Brasil pelos agentes de Hitler, agora era o próprio Getúlio que os tratava como inimigos. Em seu decreto, Getúlio Vargas lhes confiscava todos os bens. E ao confiscar-lhes os bens, a economia brasileira sofria grande golpe, pois abria caminho direto aos monopólios liberais, ao eliminar-lhes seus maiores concorrentes.
Ainda assim, em 26 de março de 1942, na Alemanha, o chefe da propaganda nazista Joseph Goebbels registrava em seu diário: "O Ministro das Relações Exteriores informou-nos sobre a situação do Brasil. Enfrentam-se, em campos opostos, o Presidente Vargas, que está muito ao nosso lado, e o chanceler Aranha, evidentemente comprado por Roosevelt e que parece estar fazendo tudo (...) para provocar um conflito com o Reich e os países do Eixo (...) Temos em nossas mãos uns 600 brasileiros, enquanto que, no Brasil, existem 150000 alemães".
O fato é que, devido à guerra além-mar e ao poder e interesses contrariados de outros países, iniciou-se uma verdadeira caça às bruxas aqui, onde, entre tantas ações injustas e prisões infundadas, as mais cruéis foram as de total desrespeito a imigrantes ou descendentes não nazistas, atacados muitas vezes por populares invejosos, que iam com rancor à desforra. E todos os brasileiros, incluindo os candelarienses, sem distinção de cor, raça, idade ou sexo, passaram a ser vistos como suspeitos, em uma neurose coletiva. A partir de então, tornou-se necessária à notificação nas delegacias de todo e qualquer deslo-camento a outro município. O salvo-conduto era obrigatório a todos. E ai de quem só falava alemão ou italiano: era preso na hora.