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Colunista 28/01/2018 15:06
Por: Guilherme Brambatti Guzzo

Nem toda ideia “alternativa” é uma boa alternativa

“Quando for ensinar um assunto X, ensine também as visões alternativas a respeito dele”. “Não fale só de X, fale também de Y e Z”. “Procure apresentar e debater visões plurais do assunto na sala de aula”. “Leia os autores que afirmam X, Y e também Z.” Estes conselhos, muito ouvidos e ditos por professores, são também importantes para a vida cotidiana: para termos uma noção da complexidade de um problema ou de uma decisão a ser tomada, e estarmos em uma melhor posição para pensar sobre eles, não podemos nos contentar com a primeira informação que temos contato, ou apenas com “um lado da história”. É fundamental considerar múltiplas perspectivas e ajustar a nossa confiança em nossas crenças e cursos de ação de acordo com a melhor avaliação que pudermos fazer de tudo isso.

No entanto, a ideia de que “devemos estar abertos e considerar seriamente ideias alternativas”, quando levada ao extremo, pode gerar grandes equívocos. Dois exemplos (ficcionais, por enquanto): alguém em sã consciência advogaria pelo ensino da “teoria da cegonha” em uma aula sobre reprodução humana? E que tal falar em “possessão demoníaca” como uma alternativa plausível para explicar problemas psíquicos em uma aula de psicologia ou psiquiatria?

A revista Superinteressante publicou recentemente uma edição especial sobre o nazismo no Brasil. Entre os vários temas tratados, um tem relação direta com o que estou discutindo aqui, o chamado “revisionismo”, um movimento que nega que o Holocausto nazista aconteceu como normalmente lemos em livros de história. O historiador da ciência Michael Shermer fez uma análise das alegações dos “revisionistas” em seu livro “Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas?”, e afirma que estas pessoas costumam defender ideias como “o número de mortos foi muito menor do que 6 milhões de pessoas”, “não havia política de extermínio de judeus”, “as principais causas de morte nos campos de concentração e extermínio foram fome e doença” e “as câmaras de gás foram usadas somente para tirar parasitas das pessoas e de suas roupas e cobertores”.

Deveríamos incluir no currículo escolar, no ensino Básico e Superior, a “alternativa” ao Holocausto? Quem sabe dividir o tempo igualmente entre o ensino do Holocausto como normalmente o conhecemos, e as alegações dos “revisionistas”? Seria esta uma forma de fazer justiça ao mantra da pluralidade de ideias na área da história?

Em um artigo da Superinteressante, há o relato de um aluno que teve um professor de história que “relativizava” o Holocausto. De acordo com o estudante, o professor despertava o senso crítico dos alunos, mostrando que “nem sempre o que se conta é o que realmente aconteceu”. O professor, de acordo com o depoimento do jovem, ensinava o conteúdo estabelecido, mas “sempre falava nas entrelinhas, deixando entender que não era bem assim”. Aqui, podemos incluir mais um potencial benefício do ensino do “revisionismo” do Holocausto: despertar o pensamento crítico dos alunos. Ótimo, não?

Não. Em primeiro lugar, porque as afirmações dos “revisionistas” do Holocausto não encontram eco nos trabalhos de historiadores da Segunda Guerra Mundial. Aliás, o termo “negacionistas” é mais adequado a eles, considerando que estas pessoas se recusam a aceitar as evidências de que o Holocausto aconteceu como os livros de história geralmente o retratam. O que sabemos a respeito do Holocausto é o resultado do consenso dos pesquisadores da área, que através da convergência de evidências como documentos escritos, depoimentos de testemunhas oculares (sobreviventes, oficiais nazistas, etc), fotos, evidências físicas (covas, artefatos usados para o extermínio dos prisioneiros, etc), e evidências demográficas (para onde foram as pessoas que desapareceram na época do Holocausto?) concluem que cerca de 6 milhões de pessoas foram exterminadas na época (não vou entrar em detalhes da discussão das evidências aqui, e para isso sugiro a leitura dos capítulos 13 e 14 do livro de Shermer, e também da obra “Negação”, de Deborah Lipstadt).

Em segundo lugar, ao invés de promover o pensamento crítico, a exaltação desse tipo de “alternativa” pode resultar no oposto: fomentar um pensamento conspiratório, irracional, que alimenta teses como “há muita coisa que os livros de história deliberadamente escondem da gente sobre os fatos do Holocausto”, “há interesses ocultos de pessoas que não querem que saibamos o que realmente aconteceu no Holocausto”, e bobagens semelhantes. Imagine ouvir que “não querem nos contar que as pessoas vêm ao mundo carregadas por cegonhas porque há uma conspiração de médicos no mundo todo para que não saibamos a verdade sobre nossa origem”. Soaria muito estranho, para dizer o mínimo.

Em vez de estimular o pensamento crítico, a promoção de “alternativas” mal fundamentadas transmite a equivocada mensagem de que todas as ideias têm igual valor epistêmico: que tanto faz se você pensa que é a cegonha que nos traz ao mundo ou que demoramos cerca de 9 meses depois da concepção para nascer. Que dá no mesmo a alegação de meia dúzia de pessoas que imagina que o Holocausto não aconteceu e o consenso de décadas de pesquisa de historiadores que dizem que sim, que o Holocausto foi um terrível fato do século passado. “Considerar alternativas” é geralmente um bom conselho. No entanto, é importante destacar que nem toda a ideia merece igual consideração, e que nem toda “alternativa” é digna de atenção.

O pensamento crítico deve ser usado para varrer alegações esdrúxulas, parcamente amparadas por evidências, mas que são apresentadas como alternativas legítimas a ideias ou teorias bem fundamentadas. Isso não significa dizer que teorias ou ideias bem fundamentadas hoje são absolutamente verdadeiras, ou que não é possível que um dia descubramos que elas estão erradas. Significa que, para que uma “alternativa” possa ser considerada de fato como uma alternativa, é necessário que existam boas razões para que se acredite nela.