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Colunista 02/09/2017 15:19
Por: Ângelo Savi

O poder

 

 

 

Há várias espécies de poder: o poder de persuasão, o poder econômico, o poder de concentração, etc. O que caracteriza o poder, portanto, é ser uma força que domina algo, alguém ou outra força. O poder de concentração é a capacidade de se absorver em um objeto afastando a interferência das distrações. A força da absorção submete as distrações. O poder de persuasão é a habilidade de incutir uma ideia na cabeça dos outros. A força da oratória ou da emoção se adona da vontade de alguém e implanta novas ideias em seu cérebro.

O poder político é o de mandar nos outros. Daí uma importantíssima consequência que é a de que, para que o poder político (daqui para frente, a referência a poder sempre será ao poder político) possa sobrepujar todos os outros, é evidente que tem que ser mais forte. E como o poder não existe no campo das abstrações, mas no da realidade, ele precisa sustentar-se, e então, quanto maior ele for, mais custoso também será; logo, mais dinheiro irá consumir. Esta é a principal razão pela qual o estado brasileiro é um sumidouro de recursos. Um estado gigante precisa de recursos gigantes.

Política essencialmente é a ação de buscar e manter o poder. Tudo mais que a acompanha é eventual. Para que se alcance o poder através da política, a qualidade necessária e indispensável é a ambição. Quanto maior é o poder, maior terá que ser a ambição de quem o almeja. A ambição não é um mal a priori, pois até certo ponto se confunde com vontade: para que se atinja qualquer objetivo, é necessário que ele seja ambicionado. Contudo, ela compreende uma gradação e pode ser tão intensa que deixa de ser algo positivo para se transformar no mal. No Brasil, o poder político é imenso e é altamente concentrado em Brasília. Por exemplo, é capaz de impor a toda a nação a tomada de três pinos. Ou a obrigação em muitas relações com o governo de se comprovar a residência ou de que se está vivo. Parecem bobagens - e são mesmo -, mas justamente por isto é que fica explícito o grau de intromissão governamental na vida de todos, isto é, poder coercitivo. O poder é tamanho que até obrigações ridículas ele é capaz de nos impor.

É inerente ao poder a autoproteção, e quanto maior ele é, mais se torna independente da vontade individual de seus detentores, e, por isso, a simples mudança de ocupantes de cargos em nada o altera. Pouco importa se vai ser eleito este ou aquele, a única diferença será a de que haverá coerção ou mais coerção conforme a personalidade do possuidor do poder.

Seguem três exemplos de como tudo está tão bem atado que ninguém tem a menor condição de fazer mudanças se não mudar a própria organização do estado. O primeiro é o das emendas parlamentares. Emendas parlamentares são, grosso modo, uma destinação de verba orçamentária que os parlamentares fazem para alguma necessidade da população. Aparentemente é algo bom, mas na prática o que se vê é que as destinações são apresentadas (e assim entendidas pelo povo) como um dinheiro que o político está doando. Há uma clara conotação de compra de voto, pois as pessoas ficam agradecidas por uma verba para uma creche, uma estrada ou um hospital. Mas a coisa não fica por aí. Desde 2015, se uma emenda é aprovada, ela tem que obrigatoriamente ser executada. No entanto, o executivo, se quiser, sempre encontra um jeito de suspender a sua liberação. Agora veja-se: hoje, 1 de setembro, a imprensa veiculou a notícia de que, até a votação sobre a abertura de inquérito contra o presidente, houve um recorde de liberações de emendas parlamentares. Depois que a Câmara negou a instauração do inquérito, elas foram contingenciadas, o que, no linguajar da administração, quer dizer suspensas. Claramente a presidência usou do poder de liberar emendas parlamentares para captar as graças do parlamento. Uma vez conseguido o objetivo de que o presidente não fosse processado, as liberações minguaram. É evidente que nenhum político irá optar pela extinção das emendas parlamentares, e assim continuarão vendendo a ideia de que são bons e altruístas quando conseguem destinar alguma emenda parlamentar e, ao mesmo tempo, submetidos ao executivo, que, sempre que precisar, irá barganhar, liberando ou suspendendo as emendas.

O segundo exemplo de que a forma pela qual está estruturado o governo inviabiliza mudanças é o fundo partidário. Este modelo é direto, não tem as espertezas das emendas parlamentares, pois se trata simplesmente de transferência de dinheiro. O fundo por si só é escandaloso. Trata-se de uma verba simplesmente dada aos partidos. Não há justificativa possível para que o povo tenha que sustentar partidos políticos, mas é assim que acontece. Quem decide o valor a ser distribuído é o congresso, e a presidência veta ou não o valor especificado no orçamento. Óbvio que, se o valor aprovado for vetado, o parlamento irá se enfurecer com a presidência. Em 2015, Dilma Rousseff aprovou a triplicação do fundo partidário de pouco mais de R$ 200 milhões para mais de R$ 800 milhões, provavelmente prevendo os maus ventos que sopravam contra ela, o que, como se sabe, de nada adiantou. No caso do fundo partidário, a via se inverte, pois é a presidência que acaba subordinada ao parlamento. Alguém é ingênuo a ponto de imaginar que o congresso vá determinar a revogação do fundo partidário?

Por fim, um aspecto geral do poder, que não é exclusivo do Brasil, mas inerente à própria política. Todo ser humano, na verdade todo ser vivo, age motivado por incentivos e, sobretudo pelo próprio interesse. Mesmo uma pessoa desapegada e bondosa opera por incentivos, seja o desejo de ir para o paraíso ou simplesmente ficar com a consciência em paz. Não é diferente com os políticos, que são impulsionados pelo desejo de atingir o máximo bem estar deles mesmos, e não por engodos, como bem comum ou interesse social. Aliás, os eleitores também votam seguindo o mesmo princípio, pois é evidente que cada um escolherá o candidato que o irá beneficiar. Estas circunstâncias deram causa a uma teoria que associa a economia à política, denominada teoria das escolhas públicas ou escola das escolhas públicas. Uma das conclusões destes teóricos, bastante lógica e óbvia, é a de que a mera alternância no poder não produz mudanças, pois todos, políticos, eleitores e funcionários, são motivados por interesse próprios e não pela ilusão chamada de interesse público.

Se for possível chegar a alguma conclusão a respeito da solução para a anarquia imperante no Brasil, ela provém da teoria das escolhas públicas, e é a de que a única forma de se manter a política e os políticos subordinados ao povo e não o contrário é diminuindo o poder do estado, isto é, impedir que ele interfira na vida das pessoas com políticas sociais, regulações, cobrança de impostos, obras publicas, estatizações, etc. Quanto menor o poder do estado, menos ele atrairá corruptos e mal-intencionados, pois é o poder que os incentiva. O difícil, quase impossível, é diminuir este poder e mais difícil ainda é impedir que ele aumente cada vez mais.