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Geral 01/04/2021 11:54
Por: Redação

Iria Moraes: “Enquanto eu tiver forças, vou continuar colhendo macela na Sexta-feira Santa"

De origem ignorada, tradição da colheita da macela se mantém viva, apesar de a espécie estar ameaçada

A tradição é antiga e não se sabe ao certo a sua origem, que, ao que tudo indica, é bastante remota. Pode-se dizer, no entanto, que o que mantém vivo o hábito é a fé e o próprio fato de muitas crenças serem algo herdado dos antepassados. É pensando desse modo que muitas pessoas, independente de idade, credo ou classe social, são levadas a colher chá de macela (ou marcela) antes do nascer do sol da Sexta-feira Santa. De acordo com a crença popular, muito das propriedades bioativas da erva se deve à sua colheita no dia em que se relembra a paixão de Cristo. Um exemplo de pessoa que cumpre à risca a tradição da colheita do chá é a candelariense aposentada Iria de Moraes, 68 anos. De acordo com Iria, a tradição em sua família é muito antiga: segundo conta, seu pai, Henrique Moraes, e sua avó, Antônia, também herdaram a tradição do exemplo de seus antepassados.

A busca pelo chá tem sido a principal atividade das sextas-feiras da Paixão desde a infância de Iria. Conforme seu relato, quando era criança costumava acompanhar o pai e a avó na colheita das flores de macela, costume que trouxe até os dias de hoje. E em 2021 não será diferente. Embora lamente que a cada ano tem sido mais difícil encontrar esse chá, a aposentada afirma que só deixará a tradição “no dia em que não tiver mais forças”. E anseia ensiná-la a seus netos, para que estes também “cresçam na fé”, conforme diz. Nesta Sexta-feira Santa, Iria, antes do dia clarear, irá para os lados do Passa Sete, onde, no ano passado, encontrou uma quantidade razoável de macela. Segundo afirma, antigamente era muito mais fácil encontrar a planta, que crescia muito em beiras de estrada. Hoje, segundo a aposentada, é preciso “ter muita vontade de caminhar”, sem se deixar intimidar ante a possível necessidade de vencer expressivas distâncias para conseguir obter um raminho de flores do chá, que são usadas ao longo do ano para diversas finalidades terapêuticas.

TRADIÇÃO AMEAÇADA - A macela, cujo nome científico é Achyroclien saturei oides, possui comprovadas propriedades bioativas, funcionando como antialérgico, antiespasmódico, anti-inflamatório, digestivo, bactericida, sedativo, entre outras indicações. Em diversas regiões do país, as flores secas da macela são utilizadas como enchimento de travesseiros e acolchoados. Contudo, sua tradicional colheita, que ocorre em pelo menos sete Estados brasileiros, pode estar com a continuidade ameaçada. De acordo com estudos feitos por professores da Ufrgs sobre plantas bioativas, a tradição de colher as flores de macela na Sexta-feira Santa é uma das causas do risco de rarefação ou mesmo da ameaça de extinção da espécie. Uma das possíveis causas para a ameaça de sua extinção é a despreocupação quanto ao cultivo da planta. Outro problema, também bastante sério, reside no fato de que a colheita se dá justamente no período da floração, impedindo, assim, que se complete o ciclo natural da planta. E, conforme aponta o estudo, o fim pode ocorrer em breve.  Porém, há algo que não se pode negar: se a macela vem se fazendo rara, é justamente pelo fato de que a fé, por sua vez, tem continuidade. Mesmo que, para que continue existindo em forma de tradição, tenha que se adaptar a algumas mudanças, para que a espécie possa se perpetuar.