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Opinião 06/12/2018 17:56
Por: Redação

Um café colonial e um resgate da história

  • Rosani e Lúcia

Por

Lucia Hilda Gewehr Steil

Bibliotecária, professora e pesquisadora

 

Um pouco de história

As pessoas certas, no lugar certo, na época certa. Assim foi. Os que chegam agora e não conhecem a história imaginam sabe-se lá o quê, e tudo que ouviram custa a ser processado em suas cabeças enquanto mexem no smartphone ou escutam os noticiários dos tempos atuais.

Foi há três décadas, a partir de 1987. Em poucos anos, as pessoas de Vila União e das localidades da região serrana de Candelária começaram a vivenciar um tempo novo: a transformação de alguns sonhos em realidade. Não por encanto, e sim com muito trabalho, com as mangas arregaçadas e a união de esforços. Como escreveu no início de 1992 o sociólogo e professor universitário da USP Valter Carvalho, que conhecia o lugar: “A Vila União é um exemplo vivo da força que se pode gerar da organização popular, comunitária.”

Para quem não sabe, existia há mais de 30 anos o desejo de um novo prédio escolar, em substituição à antiga Brizoleta, em estado precário. Cansados de promessas políticas no decorrer das campanhas, desacreditados de tudo e desunidos, riram e debocharam de uma nova professora que chegou da cidade em fins de 1986 com a ideia de fazer uma horta ao lado da escola. Pois um ano depois, em dezembro de 1987, essa escola recebeu o 1º prêmio de Candelária no Concurso Hortas Escolares! Com um jeito diferente e simples, durante as férias escolares e em outras ocasiões, essa nova professora visitou todas as famílias com alunos matriculados e fez o mesmo nos anos seguintes para os que ingressavam. Para saber como e onde viviam, quais os problemas existentes, quais as sugestões e desejos para melhorar o lugar e o ensino. E qual o comprometimento de cada um, se necessário fosse.

Assim, cada vez mais, a Escola Estadual Cristo Rei realizou uma caminhada de melhorias no processo ensino-aprendizagem. A partir de 1989, as localidades de Alto da Légua, Arroio Grande, Arroio Lindo, Cabeceira do Salso, Picada Karnopp, Roncador, Três Pinheiros e Vila União uniram-se para lutar e conquistar o que desejavam. Foi criada naquele ano, então, a Associação Comunitária da Zona Serrana de Candelária, que atuou sempre em parceria com a Escola. Entre 1989 e 1990 foi construído e inaugurado o asfalto da rodovia que interligava Candelária e Sobradinho. Na Vila União foi inaugurado um novo prédio escolar, em setembro de 1990: lindo, espaçoso, de tijolo à vista e com projeto de ampliação futura. Em Porto Alegre, na Secretaria Estadual da Educação, foi aprovado o projeto Biblioteca Escolar Comunitária da Região Serrana de Candelária. Até o final de 1991, mais conquistas através do espírito empreendedor e da união de esforços: poço artesiano com reservatório de 20.000 litros, iluminação pública, projeto de paisagismo e vários planos para o futuro, muitos dos quais se tornaram realidade. No ano de 1992 foi autorizada a implantação da 6ª série do 1º Grau na escola, e os alunos da 5ª e da 6ª séries precisaram estudar pelo Calendário B, enquanto os de séries iniciais estavam no Calendário A. Através de estratégias combinadas e executadas em conjunto pelas oito localidades de onde vinham alunos, bem como de um ensino de alta qualidade, em março de 1993 essa Escola foi a primeira do Rio Grande do Sul a voltar para o calendário único; também em março desse ano foi autorizado o 1º Grau Completo.

Era uma época diferente: ali não havia telefone, nem se pensava em internet, muitos só tinham um rádio em casa e plantavam no meio das pedras em uma terra que nem sempre lhes pertencia. Entre o final da década de 80 e o início da década de 90, em Vila União e localidades vizinhas, adultos e crianças se envolveram com alegria e orgulho para realizar aquilo que desejavam. Graças aos bons relacionamentos através de amizades inclusive com pessoas-chave em órgãos públicos e outros, ao jeito humilde e determinado do povo, à boa organização e planejamento da Direção da Escola e lideranças comunitárias, foi-se transformando a realidade para melhor. Crianças e jovens voluntários, com os olhos brilhando, uniram-se aos adultos para buscar e assentar leivas nos barrancos chanfrados e no pátio da escola, buscar e espalhar carroças de esterco na horta, realizar atividades do Clube da Árvore, participar de muitas excursões a pé ou de ônibus, conhecendo Candelária cada vez melhor, além de outros lugares, hastear as bandeiras e cantar de cor o Hino a Candelária, o Hino Rio-Grandense ou o Hino Nacional. As leis eram diferentes, as famílias eram mais unidas, e tanto os pais como os professores eram respeitados e valorizados. Não havia drogas na região serrana e a violência habitual passou a ceder espaço para tempos de maior harmonia. Nos anos 90.

As reportagens e notícias publicadas entre 1985 e 2017, mas sobretudo até 1995, foram guardadas no decorrer dos anos pela professora e bibliotecária Lúcia. Depois organizadas. Esse material, com tudo o que de mais importante a Escola vivenciou e foi documentado desde a sua criação, em 1962, mas sobretudo entre 1987 e 1995, foi entregue em mãos para a comunidades escolar há poucos dias. Um verdadeiro resgate da história de Vila União e da Escola Estadual Cristo Rei.

CAFÉ COLONIAL E UM EVENTO INUSITADO

130 fichas vendidas – 114 adultos e 16 crianças estiveram presentes no dia 24 de novembro de 2018, sábado à tarde, no 1º Café Colonial de Vila União. Preparado e servido pela conceituada Confeitaria Doce Café, de Arroio do Tigre, foi além das melhores expectativas. “Linda decoração, ambiente acolhedor, comida maravilhosa, ótimo café, tarde inesquecível” – foram algumas das observações de quem prestigiou. Programado pela Escola, em conjunto com o Círculo de Pais e Mestres e o Conselho Escolar, teve o apoio da Comunidade Luterana de Vila União, que cedeu as instalações do pavilhão de festas.

O grande objetivo de reunir as pessoas que vivenciaram o que aconteceu na Vila União e na Escola Cristo Rei nas décadas de 80 e 90 foi atingido. Os que ainda vivem e fizeram parte da história se reencontraram na tarde do Café Colonial. Também professores atuais e ex-professores, alunos de diferentes épocas e algumas crianças. Muitos abraços, risos, lembranças, emoção e gratidão. Numa tarde de temperatura agradável com períodos nublados, outros de sol, outros de chuva, houve confraternização, delícias para saborear à vontade e algo inusitado: a apresentação do resgate histórico de uma importante época, de um tempo que foi um marco nos 56 anos da Escola e na vida das localidades da zona serrana de Candelária.

Um dos pontos altos foi o data show de trinta e poucos minutos apresentado num telão com imagens nítidas vistas por todos. Quase 600 fotos do período entre 1980 e 1995 foram projetadas a um público atento. Ao som de música clássica: Mozart, Beethoven e outros mestres. Nessa tarde, a professora e bibliotecária Lúcia Hilda Steil, que trabalhou durante nove anos na Vila União, entregou para a Escola, na presença de todos, dois álbuns grandes encadernados, seis pastas com fotos identificadas, uma pasta com outros materiais e os arquivos de todas as fotografias de trinta anos atrás que foram digitalizadas. Tudo ficará disponível na Escola Estadual de Ensino Fundamental Cristo Rei para consulta pelos interessados. “Parabéns pela iniciativa! Encantada com o trabalho”, foram algumas das manifestações.

SUCESSO! Palavra que define o 1º Café Colonial da Escola Cristo Rei”. Um café colonial com música clássica, em alguns momentos, projeção de fotos que fizeram história e, sobretudo, abraços e conversa entre os que há tempo não se encontravam. “Muito obrigada a todos os envolvidos”, registrou a equipe diretiva também através das redes sociais, e muitos interagiam com saudades da escola, dos colegas, dos professores, dos alunos, dos pais, das vivências. Quanto ao resgate de uma parte muito importante da história da Escola e da localidade, foi considerado “um trabalho de grande valia” e não faltaram agradecimentos e elogios. Concluindo, a Diretora Rosani Bernardy Rech registrou por escrito o seu depoimento: “Enquanto gestora da Escola, posso dizer que foi um dia diferente que jamais será esquecido ou terá outro igual a esse. As pessoas que participaram adoraram o evento”.