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Geral 13/11/2020 15:11
Por: Redação

Família Nascimento: depois de tudo, corações apaziguados e felicidade compartilhada

Enfermidades cardíacas enfrentadas pela família, depois das dificuldades, chega a um final feliz

  • Retrato em família: para além das lentes fotográficas, olhares em direção a um futuro mais ameno

Muitas pessoas acompanharam, ao longo dos últimos três anos, a difícil trajetória vivenciada pela família de Clécio Nascimento, repleta de momentos dramáticos que, por fim, trouxeram conciliação e uma paz que só o passar do tempo, após as provações, foi capaz de prover. A história vivida pela família evidencia uma verdade que dificilmente alguém irá contestar: existem coisas que apenas a fé e muita oração podem conquistar. E que o valor de bens como a saúde não podem ser mensurados, muito menos através de palavras. Porém, vamos por partes.

Casado com Nair Herberts do Nascimento, pai das gêmeas Ana Paula e Ana Carolina, de 27 anos, Clécio Nascimento, 57, já vivia há tempos um impasse por conta de seu coração, com um problema que apenas um transplante seria capaz de resolver. As preocupações da família se intensificaram quando a filha Ana Paula passou a apresentar sintomas como um profundo cansaço e fraqueza, provocados mesmo por pequenos esforços físicos. Após uma consulta ao cardiologista e alguns exames, o diagnóstico veio brutal: uma grave doença congênita do coração. Sem ter sequer tempo para assimilar os fatos, Ana Paula se viu repentinamente no Hospital Santa Cruz, em Santa Cruz do Sul, sobre uma mesa cirúrgica, para corrigir a enfermidade. Seu estado era tão grave que a simples anestesia já causou uma parada cardíaca, a primeira das três que ocorreriam ao longo das seis horas de duração do procedimento cirúrgico. Mesmo assim, as paradas foram felizmente revertidas, possibilitando que Ana Paula voltasse para casa.

Mas o que parecia ser um ponto final foi na verdade apenas uma reviravolta, representando o capítulo inicial de outra via-crúcis: dez dias depois de sair do hospital, Ana Paula sofreu um sério AVC. Quando isso ocorreu, a irmã, Ana Carolina, teve apenas uma reação: ajoelhar-se e orar, resumindo, através do caráter desse gesto, o forte sentimento religioso de toda a família. Diante da gravidade da situação, o pastor Bruno Krüger Serves, da igreja luterana Cristo, foi chamado. Na ocasião, o pastor proferiu algumas palavras que acabaram se revelando emblemáticas em resumir a situação vivida pela família, em especial Ana Paula, colocando a todos a seguinte questão: “o que Cristo fez por nós?” E a resposta veio rápida na voz de Ana Paula: “Ele morreu por nós”.

Foi, pois, com a alma reconfortada que Ana Paula vivenciou os dias que se sucederam, com acontecimentos que colocariam a fé de toda a família à prova. A mãe, Nair, se emociona ao recordar de um detalhe que, ao menos nessa situação, só poderia se passar entre uma mãe e um filho: emocionada, ela conta que, pelo fato de estar entubada, Ana Paula lhe falava somente através do olhar. O que, em si, era uma linguagem extremamente eloquente. Dessa maneira, passou-se uma semana, sem que Ana Paula pudesse comer ou mesmo beber água. A essas alturas, um grande aprendizado já havia começado. Todos perceberam isso, em especial a própria Ana Paula. Depois de ser submetida a três cirurgias, ela teve alta. Nesse dia, todos no quarto vestiram a cor predileta de Ana: cor de rosa. A mãe Nair lembra que um fator que pode ter auxiliado nessa reabilitação foi o fato de que em nenhum momento os familiares de Ana Paula deixaram que ela soubesse da gravidade de seu estado. Acerca disso, Nair conta que, apesar do seu sofrimento, tomou o cuidado de estar sempre com um sorriso no rosto, e, por conta disso, foi até chamada pela equipe médica e interrogada se sabia do real estado da filha.

Uma das lições do sofrimento: a valorização de cada aspecto da vida, por mínimo que seja

Por conta do AVC, 90% do lado direito de Ana Paula estavam afetados, o que teve como efeito, entre outros, a impossibilidade de caminhar, precisando sempre ser conduzida no colo pela mãe. Foi então que se iniciou uma fase que pode ser considerada como um lento reaprendizado: foi necessário, entre outras coisas, reaprender a comer, a engolir e mesmo a falar. Isso sem contar o que então era um sonho que parecia ser o mais difícil, até certo ponto irrealizável: voltar a caminhar. Contudo, pairando soberano acima de todos esses saberes, houve uma lição de significado muito maior, parte já de um outro tipo de conhecimento, que talvez apenas experiências semelhantes podem trazer: a valorização, por toda a família, de cada pequeno aspecto da vida – por mínimo que seja. E assim, tudo foi vivenciado como realmente deve ser: um dia de cada vez, cada coisa a seu tempo. Como um ritual de passagem para um novo estágio. Lento, difícil, mas, pelo fato de estar viva, e até mesmo por poder beber água e se alimentar – coisa que ainda havia pouco era impossível -, tudo passou a ser vivido por Ana Paula como de fato é: um privilégio inestimável, possível apenas aos que ainda estão vivos. Tudo isso com um sentimento imensurável de gratidão a Deus, à vida e a todos os que, durante todo este tempo, estiveram próximos.

Pois, além da proximidade dos familiares e amigos, houve profissionais que tiveram um papel de importância fundamental para essa recuperação. A começar pelo fisioterapeuta Jorge Carvalho, responsável pela terapia com aplicação de eletrodos, e que possibilitou também a cicatrização e a reabilitação da face. O personal trainer Marcelo Glänzel e a fisioterapeuta Letícia Wollmann também tiveram enorme participação na retomada de tarefas que, mesmo parecendo simples, revelaram-se, cada uma a seu modo, grandes conquistas: auxiliar Ana Paula a levantar da cama, escorar-se na parede e, enfim, depois de certo tempo, o tão esperado momento de voltar a caminhar. A cada novo passo, com um profundo sentimento de gratidão. Por tudo. Porque cada ser humano, afinal, mesmo nas suas limitações, é capaz de muitas coisas. Após todos esses acontecimentos envolvendo o pai e a irmã, por ser gêmea de Ana Paula e por terem um DNA muito semelhante, Ana Carolina, pelas dúvidas, também se submeteu a alguns exames mais específicos. Como resultado, foi necessário, até para prevenir qualquer eventual problema, colocar uma prótese no coração.

Interrogados a respeito do saldo de todos esses acontecimentos, Nair, primeiramente, chama a atenção pelo caráter cíclico dos fatos: a enfermidade de Clécio se revelou em setembro de 2018; Ana Paula viveu todas as angústias relatadas acima em setembro de 2019. E Ana Carolina, por fim, precisou colocar a prótese no mesmo mês, em 2020. Nair resume os fatos e a maneira como tudo se resolveu (“Tudo muito rápido e, ao mesmo tempo, mágico”) como algo para o que não existe explicação racional, a não ser o apoio das igrejas e das orações. Clécio, por sua vez, reforça a importância desse suporte espiritual e da mensagem cristã. Ao se referir ao significado de tudo por que passaram, tendo apenas 16% do coração funcionando, ele define a experiência através dos seguintes termos: “Tudo foi um grande ensinamento que Deus nos trouxe com muita dureza. Através desse aprendizado, podemos hoje ver a vida de um jeito novo, com muito mais fé. Talvez exatamente por ser duro, esse ensinamento nos faz ver que a felicidade está nas pequenas coisas”. A essas palavras, Nair fala ainda da importância de agradecer a cada dia, “pelo simples fato de ter acordado”.

Questionada sobre seus objetivos para o futuro, Ana Paula diz sentir o desejo de “ser uma pessoa melhor a cada dia e espalhar essa ideia a quem puder”. Porém, pelo simples fato de poder caminhar, se pentear, maquiar e se vestir sozinha, já se considera muito feliz. Trata-se de uma felicidade amplamente compartilhada: não é preciso saber ler entrelinhas para perceber, no tradicional retrato de família, a sinceridade dos sorrisos, para os quais todo o histórico de sofrimento teve o seu papel. E assim, com corações reconfortados e almas apaziguadas, queira Deus que os olhos de todos possam vislumbrar, para além das lentes fotográficas, um futuro mais ameno.