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Colunista 27/05/2017 15:15
Por: Ângelo Savi

Sobre a felicidade

Na obra O Mundo como Vontade e Representação, o filósofo Arthur Schopenhauer, ao discorrer sobre a felicidade, diz que procurá-la é o erro inato mais comum que cometemos. É inato porque o mundo, a vida, a realidade, se caracterizam por dois vértices: vontade e representação. A vontade é uma força encontrada em todas as coisas e não é controlável. A representação é como interpretamos a realidade. Como não conduzimos a nossa vontade, pois ela é uma energia indomável, a força motriz da própria vida, ela está constantemente procurando a felicidade, daí afirmação de que se trata de um erro inato. E o erro está no fato de que a vida não foi feita para proporcionar a felicidade.

A quantidade de infortúnios que nos acometem é incalculável; adoecemos, perdemos entes queridos, fracassamos em nossas empreitadas e até os momentos de felicidade acabam sendo fugazes porque assim que os vivenciamos a nossa vontade vai atrás de mais felicidade ou de outras coisas que signifiquem felicidade. A morte é o fim próprio da vida e toda a aspiração que se manifesta durante sua duração é coisa vã e supérflua.

O resultado é que passamos a culpar os outros e a má sorte pelas nossas desgraças, o que não muda o destino. As eventuais alegrias não cumprem suas promessas de nos trazer felicidade, enquanto as dores sempre são reais. A receita do filósofo é de que devemos de nos dar conta de que tudo na vida está disposto para causar sofrimento e que o fim da existência não é a felicidade, e assim ficaremos curados da ilusão de sermos felizes e as aflições ficarão mais suportáveis.

Schopenhauer, na juventude, estudou as filosofias hindu e budista e por elas foi influenciado. Claramente, a solução que ele dá para o erro de procurar a felicidade é decorrência das influências daquelas filosofias, pois afirma que quando nos desenganamos do erro vemos o mundo pelo menos em harmonia com a noção de que a vida não está aí para nos fazer felizes. Armados com o conhecimento de que a realidade sempre vai nos causar dor, as adversidades, por maiores que sejam, apesar de nos fazer padecer, não nos espantam, pois então saberemos que a aflição realiza o próprio fim da vida.

Schopenhauer era naturalmente um homem modesto e apartado da sociedade. Era um solitário e nunca se casou nem teve filhos. Sua vida seguiu um enredo comum a de muitos outros artistas e filósofos: sua obra monumental não teve o reconhecimento público que merecia durante muito tempo e ele tinha certa amargura por causa disto. Entretanto, quando já estava velho, sua filosofia começou a ser conhecida e ele passou a ser visitado por admiradores e pensadores, formando-se em sua volta uma roda de seguidores e discípulos, o que lhe causou satisfação, tornando-o um homem mais sociável e aberto.

O reconhecimento do público se refletiu até em sua obra, pois o filósofo passou a procurar alternativas e atenuantes para a dureza da vida, o que jamais fizera antes. Seu último texto, “Eudemonologia”, trata da arte de bem viver. Seguindo Aristóteles, Schopenhauer divide os bens da vida humana em três classes: o que alguém é; o que alguém representa e o que alguém tem. A ênfase para que se viva bem é no que se é, pois o ter e o parecer são ilusórios. Nesta obra, o tom pessimista é abrandado e, para concluir, cito uma passagem, livremente traduzida (a minha edição é em espanhol, de 1950, publicada pela editora “El Ateneo” de Buenos Aires) que se pode tomar como conclusão para a maneira que Schopenhauer recomenda que encaremos a vida:

Nenhum acontecimento deve provocar em nós grandes explosões de júbilo nem muitas queixas, em parte, por causa da variabilidade de todas as coisas, que podem a qualquer momento se modificar e em parte por que nosso juízo facilmente nos engana sobre o que é saudável ou prejudicial; assim ocorre que todos, ao menos uma vez na sua vida, gemem pelo que mais tarde resultou ser a maior fortuna ou se alegram com o que foi origem de seus maiores sofrimentos.

Como se vê, a receita de Schopenhauer para viver bem é simples. Difícil é executá-la.