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Colunista 05/08/2017 16:44
Por: Marcos Rolim

O vazio

(Publicado originalmente em Zero Hora, 6/7 de maio)

A mediocridade é insidiosa. Ela se infiltra pelos poros da Nação como um anestésico. Sedados pela miséria moral e pela repetição do absurdo, cada nova ofensa à dignidade e à inteligência é recebida como paisagem. Todos somos atingidos, porque os padrões são rebaixados e, com eles, nossas exigências. Observem, por exemplo, o cidadão que ocupa a presidência. No dia 8 de março, Temer situou a importância feminina na economia, lembrando as mulheres nos supermercados. Nesse exemplo, cabe um mundo inteiro de significados; um mundo que não existe mais - pelo menos no ocidente - há décadas. No universo habitado por Temer, as mulheres são seres domésticos, que cuidam dos filhos e da casa; o que também ajuda a compreender porque seu primeiro ministério foi composto só por homens. Então, o presidente foi criticado e sofreu desgaste considerável. Era de se imaginar que, após o discurso infeliz, Temer tentaria “compensar” o estrago com pronunciamentos mais, digamos, contemporâneos. Em entrevista no SBT, entretanto, afirmou que “os governos precisam de um marido”. Comparando os desafios do governo com o orçamento familiar disse que se o marido ganha R$ 5 mil, então a dona de casa não pode gastar mais do que isso, senão quebra o marido”. Sim, no mundo mental de Temer, os maridos ganham e as mulheres gastam. Dessa vez, as críticas foram menores e o que há de revelador na alegoria misógina de Temer não mereceu muita atenção. O curioso é que o atual governo só fez agravar a recessão e o desemprego, acumulando o maior déficit orçamentário da história da República. No idioma temerista, um governo definitivamente “sem marido”.

Imaginem como o mundo recebe a notícia de que o atual governo possui oito ministros investigados por suspeita de corrupção e que o próprio presidente é figura habitual em delações de mafiosos (apenas Cláudio Melo Filho - lembram? – citou Temer 43 vezes). Um governo do tipo não pode contar com a menor credibilidade. Mas, no Brasil, qual o significado de um governo formado por uma quadrilha? Aparentemente, nenhum. Os governos do PT agenciaram os seus esquemas delituosos e formaram as suas quadrilhas. Uma parte dos bandidos – seguramente a mais profissional – abrigada no Planalto desde sempre, operacionalizou o impeachment e formou outro governo apoiado por grande parte da mídia e pelos grandes grupos econômicos. Ainda que a nova configuração mafiosa não tenha qualquer apoio popular, se mantém por conta de uma maioria parlamentar, tão desqualificada quanto ávida por cargos e verbas, e por uma elite empresarial movida pelos mesmos valores morais e pelo mesmo descompromisso com o Brasil.

O governo Temer, entretanto, virou paisagem. Faz parte do cenário que se imagina inalterável e com o qual devemos conviver como se, de fato, tivéssemos um governo. Tudo em nome do rentismo, a começar pelas reformas que são concebidas para que nada seja alterado no andar de cima.

Palocci foi um dos operadores mais refinados dessa malta. Nos tempos em que ocupou o Ministério da Fazenda, aliás, foi o mais elogiado dos petistas. Em novembro de 2005, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) defendeu sua permanência no ministério, ressaltando que sua gestão era “serena e competente”. Quem folhear jornais e revistas da década passada encontrará inúmeras manifestações do tipo. Depois da Lava Jato, ninguém pode fazer de conta que não sabe as razões de tantos elogios. Pois bem, Palocci anunciou a disposição de se transformar em réu colaborador. Muitos deduziram, logo, que ele entregaria Lula. O mais provável, entretanto, é que Palocci mandava um recado para outro publico. Banqueiros, grandes empresários, donos dos meios de comunicação, todos parecem ter compreendido perfeitamente. Era preciso que o PIB nacional tratasse de “estancar a sangria” da Lava Jato. Ou isso, ou Palocci contaria a Sergio Moro como funciona o capitalismo brasileiro.

A 2ª turma do STF, ao começar a soltar os presos da Lava Jato, traduziu, em termos jurídicos, o acordo pelo alto que, mais uma vez, as elites tramam desavergonhadamente. Petistas, tucanos e temeristas suspiram e se congratulam (ei, ei, Gilmar é nosso rei). E a gente vai se acostumando com o vazio.