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Opinião 24/10/2022 16:11
Por: Odete Jochims

Olhares que incomodam - Por Erni Bender

Dias atrás me deparei com uma mensagem que me foi enviada a respeito de uma pastora de uma Igreja, relatando que no meio de sua pregação uma criança começou a gritar, e por mais que tentasse acalmar a criança ela não parava de gritar, quando a pastora num ato daqueles que não se explica clamou para que deixassem a criança gritar. “DEIXA GRITAR” bradou ela em meio ao burburio causado pelos gritos da criança, e dela também.  Ao final, depois da pregação da pastora e do silencio da criança, a mãe da criança procurou a pastora para dizer da alegria dela porque a pastora deu a ordem de “deixem à criança gritar”. Acontece que era uma criança autista, e segundo a mãe, o pedido da pastora foi uma forma de libertação, de aceitar que sua filha era portadora desta síndrome, e mais do que isso, pela primeira vez ela não se sentiu envergonhada. Reparem que essa frase sem duvida é extremamente profunda: “Eu não senti vergonha de minha filha”. É muito fácil analisar e dizer: Ora, como iria sentir vergonha da filha? Mas isso acontece, e acontece muito mais do que você pensa. 
Ainda bem que os tempos mudaram neste sentido de que hoje se compreende e ficou mais “normal” aceitar as pessoas como elas  são,  vamos dizer, “diferentes”, a ponto de chamar atenção e das pessoas se sentirem envergonhadas, não por sentimento próprio, mas pelo fato das pessoas não terem noção muitas vezes do que é o preconceito, de apontar e comentar quando algo não lhes é “normal”. 
Há muitos anos atrás, era muito pior. Lembro que ia com meu cunhado Sidney, que é portador de deficiência,  para praia, e era sempre um problema na hora de seguir para o mar, porque minha sogra e sogro não apoiavam a minha ideia de levar o tio Sidney pra beira mar para curtir um dia de sol. Não estou julgando meus sogros, pelo contrário, na concepção deles, achavam que estavam protegendo o filho do julgamento hipócrita da sociedade. Não era fácil. Eu sempre gostei muito do Sidney, ele não é meu cunhado, é meu irmão, ao longo dos 42 anos que nos conhecemos, já ouvi conselhos dele e ele ouviu os meus. Nunca deixamos de nos gostar, porém , naquela época, ir a praia com o Sidney, na beira mar, era algo realmente difícil. Mas eu nunca dei muito bola pra isso, o avisava: Sidney  vamos pra praia. Ele protestava um pouco, mas com minha insistência, acabava cedendo, e lá íamos nós. Quem conhece o tio Sidney como chamamos carinhosamente, sabe a figura que é...bermuda, camiseta, boné do Grêmio (único defeito do tio), óculos escuros, e lá íamos nós pra beira mar a bordo do meu Chevette hatch vermelho. Guarda sol, cadeira, isopor com a bebida predileta, lá íamos-nos, verdadeiros farofeiros da praia (kkk). 
Sem cerimônia nenhuma, andávamos pela areia, ele amparado em mim, ou vice versa, seguíamos para pertinho do mar, sob olhares e comentários deselegantes das pessoas ditas “normais”, que ficavam a olhar sem nenhum pudor. Confesso que no começo me sentia um animal de zoológico numa jaula, mas acostumei e confesso que acabei  gostando, porque eu e ele dávamos muita risada das pessoas com os olhares horrorizados, e acreditem, não estou exagerando, muito pelo contrário, estou minimizando.  Chegando ao local escolhido, tio Sidney sentava, eu servia o refrigerante preferido, ele colocava uns óculos espelhados e passávamos a manhã na praia com a maior naturalidade.  
Quando vi  este vídeo da pastora me lembrei na hora dessas histórias com o tio Sidney, inclusive uma que levei o tio Sidney pra pescar e pasmem, ele pegou um peixe e eu não peguei nada, tive que ouvir ele "tirando a maior da minha cara", mas essa é outra história que um dia conto, mas me lembrei daquela discriminação da nossa chegada na praia, ou no restaurante ou qualquer outro lugar. Não leitor, isso não mudou tanto assim, em alguns lugares que vamos hoje, estamos mais limitados por conta da idade do tio, mas ainda podemos ver alguns preconceitos por parte das pessoas, de ficar olhando com olhar meio que assustado. Digo uma coisa pra você que tem um filho com necessidades especiais: As favas com essas pessoas!!!  Eu sei que muitos nem se dão conta do que estão fazendo, mas são no mínimo deselegantes.  Não tenha vergonha do seu filho, não tenha vergonha dessas pessoas de jeito nenhum, são pessoas especiais que temos a sorte de conviver.