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Geral 11/06/2021 08:21
Por: Redação

Comportamento: o que leva uma pessoa jovem ao suicídio?

Para essa interrogação, para a qual toda resposta gera novos questionamentos, a Folha ouviu dois profissionais da psicologia para buscar diminuir as tantas dúvidas

  • Tânia: familiares e sociedade ainda não sabem como abordar um tema que ainda é considerado tabu
  • Júlio: o suicídio ocorre em momentos de desesperança, em situações em que não se consegue visualizar saída

Exceto quando envolve pessoas públicas, a Folha não noticia suicídios. Essa regra leva em conta, além da ética jornalística, o respeito à dor das famílias e também para evitar evidenciar um comportamento que muitos acreditam que possa servir de estímulo a outras pessoas fragilizadas por alguma razão e em potencial risco de atentar contra a própria vida. Por outro lado, o tema não pode ser ignorado, especialmente diante de sua grande incidência entre jovens, a exemplo do que ocorreu em Candelária nesta semana, trazendo ao mesmo tempo profunda consternação e uma inquietante incredulidade: afinal, o que leva uma pessoa jovem ao suicídio? A busca por respostas não é uma tarefa simples. Ao contrário. É complexa e pode decorrer de diferentes fatores. Para buscar compreender melhor essas razões, a Folha ouviu dois profissionais da psicologia, estudiosos das chamadas dores da alma.

O psicólogo Júlio Steffanello destaca que o suicídio, como muitos dos males que acometem a alma, tende a ser causado pela soma de diversos fatores. Esse complexo pode se formado por questões culturais, sociais, além de aspectos do próprio desenvolvimento das pessoas em questão, e que pode ser desencadeado em qualquer momento da vida, respeitando as características específicas de cada fase. Quando ocorre na adolescência, uma série de aspectos deve ser levada em consideração: a rápida evolução para a vida adulta, com os conflitos que esse processo envolve, e uma série de questões hormonais, que resultam em uma série de mudanças cognitivas e emocionais. Júlio lembra que o adolescente tende a ser aquela pessoa com comportamento, emoções e ideias extremas. Situações que possam provocar frustrações são em geral sentidas de forma muito intensa. Em fatores mais específicos, o que prepondera no caso dos adolescentes são as mudanças que ocorrem nessa fase da vida, da passagem da infância para a adolescência e desta para a fase adulta. Stefanello lembra que em todas as fases da vida podem ocorrem situações que podem trazer conflitos e ansiedade. Porém, pelo fato de os adolescentes viverem cada momento de forma extrema, tudo isso pode ser potencializado.

O psicólogo destaca que, a esses fatores, podem se somar os chamados transtornos de humor e de ansiedade, que por si já podem desencadear pensamentos de suicídio. Ele lembra que a adolescência se caracteriza por ser um período da vida que pode ser definido como uma etapa em que conflitos, tanto familiares como de relacionamento, podem potencializar todo esse processo. Além disso, outros fatores determinantes podem ser o uso de drogas ou de álcool, que, quando ocorre de forma abusiva, podem ser um agravante. Além disso, em certos casos há ainda a vivência de situações de violência, tanto na infância quanto na adolescência, que podem colocar a pessoa numa situação extremamente grave, para a qual não encontra saída nem esperança. As situações em que ocorre o bullying devem também ser levadas muito a sério. De acordo com o psicólogo, qualquer vivência frustrante pode desencadear um forte sentimento de desesperança, o que acarreta uma carga enorme de um sofrimento muito extremo, uma situação para a qual é de fato difícil visualizar uma saída. Nesses casos, prossegue Júlio, o acompanhamento deve ser feito em conjunto, incluindo familiares e amigos, para evitar que o suicídio seja visto como uma “saída”.

Um aspecto importante é relatado por Júlio envolvendo a diferença entre os pensamentos de morte e as ideias de suicídio, tendo em comum o fato de que ambos podem levar a um fim trágico. Porém, a diferença é que, na ideação suicida, a pessoa pensa e relata que está pensando em acabar com a própria vida. Os pensamentos de morte - que também podem ser um sinal – podem ocorrer quando a pessoa diz que está vivenciando algo com o qual não consegue, apenas com seu próprio esforço, conduzir a bom termo, e que consideraria melhor não estar aqui para não ter de conviver com essa situação. Frases como “Seria melhor que Deus me levasse” são um forte demonstrativo de que o perigo existe. Além disso, outros sinais que devem ser observados são tristeza excessiva, isolamento social, desinteresse por atividades nas quais a pessoa sentia prazer e mudanças repentinas de comportamento. Nessas formas de agir, a própria tentativa de resolver situações pendentes, através de mensagens, deve ser encarada com atenção. Embora não haja receita pronta para contornar essas situações, o diálogo deve ser frequente, para buscar entender o que está acontecendo e em que nível se encontra o sentimento de desespero.

Tânia Steil: “quando alguém comete suicídio, não é só a família que está enlutada, mas toda a sociedade”

Já a psicóloga Tânia Steil fala sobre a necessidade de se mudar o olhar sobre a adolescência, que, segundo explica, é muitas vezes vista de modo romanceado, ou seja, como sendo a fase mais bela da vida, e passar a encará-la de modo real, como um período pleno de angústias e interrogações. Dessa forma, a família e a sociedade precisam ter o cuidado de acolher e buscar compreender as incertezas e sentimentos de ansiedade, frequentes nesta fase, e assim auxiliar o jovem adolescente a vivenciar e superar as possíveis dificuldades e inseguranças, próprias do momento. Tânia enfatiza uma realidade bastante negativa: diante do elevado número de suicídios entre os jovens, fica evidenciado o despreparo das famílias e da sociedade para falar sobre um assunto que ainda é considerado tabu.

De acordo com Tânia, o quadro se agrava frente à dificuldade de identificação do episódio que pode desencadear o suicídio. Isso ocorre porque a família, a escola e a sociedade de modo geral nem sempre estão preparadas para falar sobre o assunto. Existe o mito de que falar sobre o suicídio aumenta a probabilidade de o indivíduo pensar em se matar: “Isso na realidade não se confirma. Antes pelo contrário, pois possibilita avaliar o real risco do comportamento suicida, além de promover o acolhimento da pessoa que sofre, sem julgamento moral ou religioso. A psicóloga acrescenta que é fundamental ressaltar que “a pessoa precisa ser ouvida e não aconselhada”.

Tânia, a partir disso, é o momento de avaliar quais os fatores de proteção que estão disponíveis. Entre eles, os principais são a rede familiar e de amigos. “Se na escola e no trabalho a pessoa está engajada, muitas vezes até a relação com os animais de estimação auxiliam na tentativa de construção de vínculos. Em outro momento, a busca por atendimento médico ou psiquiátrico, com vistas a iniciar o tratamento medicamentoso e ou internação e acompanhamento psicológico ou em clinica particular”. É importante lembrar que o Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) é o órgão de saúde mental da rede pública, que dispõe de equipe técnica de psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais preparados adequadamente para o tratamento de pacientes suicidas. Por fim, é preciso registrar que, quando uma pessoa comete suicídio, “não é somente a família que está enlutada, mas sim a sociedade, que, por preconceito, teme discutir e enfrentar um problema de saúde pública que se propaga vertiginosamente entre a população e de modo preocupante entre os jovens”, conclui.