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Geral 10/01/2020 08:42
Por: Luciano Mallmann

Enchente de janeiro de 2010: dez anos depois, acontecimento ainda é lembrado

Uma morte e uma paisagem devastada foram o saldo de uma das maiores enchentes dos últimos anos

04 de janeiro de 2010. Se para alguns a data soa indiferente, para muitos candelarienses esse dia ficará para sempre registrado na memória como a vez em que uma enchente provocou uma devastação que pareceu a muitos tão severa como a cheia de 1959, que deixou um saldo de aproximadamente 100 mortos. De acordo com reportagens da Folha datadas de janeiro de 2010, a enchente que arrasou o Vale do Rio Pardo naquela segunda-feira foi rápida e inesperada, com a água destruindo e levando o que havia pela frente em questão de horas. Tanto é que, depois de passados quatro dias das precipitações, pelo menos sete locais ainda se encontravam em situação de calamidade: as ruas da Praia e Princesa Isabel, o bairro Esmeralda e as localidades de Linha do Rio, Costa do Rio, Rebentona e Passa Sete.

Se em 1959 as vítimas foram surpreendidas pela água à noite, dificultando a fuga para locais seguros e, desse modo, impossibilitando o resgate, em 2010 a correnteza do rio atingiu a população ribeirinha logo pela manhã. Muitos perceberam o volume das águas por volta das 10h. Menos de duas horas depois, já começavam os resgates na rua da Praia, quando bombeiros voluntários, moradores e vizinhos trabalharam para retirar as pessoas de suas casas alagadas. Moradores mais precavidos juntaram pertences e levaram crianças para locais seguros.

Uma das características dessa enchente e que causou enorme espanto foi a velocidade atingida pelas águas, que ultrapassaram as imediações da Prainha, chegando até as proximidades da Escola Lepage. Na época, a prefeitura chegou a colocar o ginásio municipal à disposição dos inúmeros desabrigados, embora a maioria das famílias atingidas tenha preferido ficar na casa de parentes ou conhecidos. Os colégios Lepage e Medianeira também foram oferecidos como abrigo.

As chuvas começaram ainda no domingo, intensificando-se na segunda pela manhã. Com a intensidade com que o rio subia, surgiu o boato de que alguma represa na região serrana havia se rompido, fato desmentido pelos meios de comunicação de Sobradinho. A dimensão da enchente naquele início de 2010 começou a se desenhar nas localidades situadas em direção à serra, como já foi dito, ainda pela manhã. Embora essa população já tenha convivido com muitas cheias, esta, porém, surpreendeu pelo volume de água e também pela rapidez.

Numa atividade de rotina, o encontro com a fatalidade

Uma atividade de rotina precipitou os fatos que culminaram na morte de Hari Kappaun, na época com 53 anos. No meio da manhã, o agricultor tentou recolher algumas cabeças de gado que pastavam em um potreiro situado na margem oposta do lado da rodovia onde residia. Todavia, diante do surpreendente avanço do rio, Kappaun pediu ajuda ao vizinho Arcélio Bringmann, 55 anos. Prontamente, Arcélio e seus dois filhos, Fábio e Fernando, foram auxiliar o vizinho. A dificuldade em recolher uma vaca fez com que Kappaun retardasse seu retorno à margem, ficando ilhado numa coxilha.

Enquanto isso, o rio subia cada vez mais rápido. Sem saída, Arcélio, que sabia nadar razoavelmente, conseguiu agarrar-se em uma árvore próxima. Sem saber nadar, Kappaun pediu ajuda. Juarez dos Santos, outro morador da localidade, chegou a tentar levá-lo para um local seguro. Porém, a força da correnteza não permitiu que Santos cumprisse sua missão: Kappaun acabou se desgarrando, desaparecendo nas águas logo em seguida.

O amanhecer do dia seguinte revelou um cenário de guerra, com grandes avarias no trecho asfaltado, lavouras de fumo e de soja devastadas e grandes árvores nativas atravessadas na pista. O rio, nesse início de manhã, já tinha retornado ao seu leito. As marcas da enchente histórica, no entanto, estavam visivelmente presentes, na paisagem e na memória, compondo um quadro desolador, assim como muitos outros verificados em toda a região.