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Geral 14/05/2017 11:54
Por: Luciano Mallmann

Adriana e Luísa: as grandes e pequenas conquistas trazidas pelo dia a dia

O desafio e as responsabilidades de ser mãe na atualidade, sob a ótica de uma pessoa que enfrentou e venceu desafios que muitos teriam na conta de intransponíveis.

  • Adriana com a filha:
  • Adriana:

 

Era uma vez - e nem faz tanto tempo assim - uma época de maior intensidade, em que grande parte das meninas, adolescentes ou jovens desejava viver um conto de fadas. Era uma vez o sonho de entrar na igreja usando um vestido branco, ao lado do noivo escolhido, e, diante do altar, fazer o juramento com todo o amor possível entre duas pessoas - um sonho herdado de muitas gerações de mulheres. E então, depois de proferir o "sim" com a mais absoluta sinceridade, passada a cerimônia, viria o sonhado final e, também, a parte mais difícil de todas essas histórias: com os noivos sendo felizes para sempre, em hipótese. Enfim, era então uma vez uma jovem de 19 anos, chamada Adriana, natural de Sobradinho, que viveu uma parte desse conto de fadas. Assim, ela entrou na igreja no dia 10 de outubro de 1988 para oficializar sua união, aos olhos de Deus e dos homens, com o jovem candelariense Fernando Machado. Todavia, como no entrelaçar entre os contos da imaginação e os fatos da vida real convergem regras que apontam para o inesperado, a história tomou rumos imprevistos.
De qualquer maneira, a jovem esposa, dentro das possibilidades humanas, foi muito feliz ao lado do marido escolhido. "Ele era muito conhecido e tinha muitos amigos", conta Adriana, em entrevista à Folha. Que nem tudo são flores, todos sabem: "Ele sofria de problemas emocionais e recusava todo tipo de ajuda profissional. E, naquele caso, isso era muito necessário. Mas ele negava que tivesse problemas", afirma Adriana. Depois de casada, conta que foi trabalhar com o marido na farmácia de sua propriedade. Curiosamente, uma das palavras pronunciadas pelo maior número de vezes em seu relato foi justamente a referência ao trabalho: "Eu sempre trabalhei. Comecei aos 14 anos e não parei mais", afirma. Sobre os tempos da farmácia, Adriana relembra principalmente das dificuldades: "Era muito difícil", conta Adriana. "Mas sempre mantivemos esperança de encontrar uma solução".
Transcorridos alguns anos, tudo indica que a esperança deixou de habitar os pensamentos de Fernando. É possível que tenha sido esse um dos fatores que o levaram a adotar uma medida extrema. E então aconteceu de o jovem marido de Adriana ter uma morte trágica e inesperada, no dia 10 de maio de 2001. A morte de Fernando foi um daqueles momentos que tomaram a cidade inteira de surpresa, pelo inesperado. O acontecimento se tornava mais grave levando em conta que faltavam exatas duas semanas para o aniversário de dois anos da filha do casal. Os preparativos para a festa de aniversário estavam em andamento. Como em tantas situações semelhantes, Adriana testemunhou o decurso dos acontecimentos ficar em suspenso, como que paralisado, ignorando o rumo que as coisas tomariam dali para a frente.
Dessa época, Adriana narra ter sido como se a tivessem colocado "diante de um labirinto. Fiquei sem chão e sem saber que rumo tomar. Isso tudo com um vazio que tentei preencher sem saber como. Foi difícil pelo lado emocional e também pelo financeiro", recorda. O apoio dos familiares foi de uma importância e de um valor inestimáveis - e assim é até hoje. Adriana, na época, saiu de casa, passando a morar, ela e a filha Luísa, com Nara (sua irmã) e o cunhado Saul. Com a irmã Iara, tentou ainda, por algum tempo, resolver as questões da farmácia, mas ambas chegaram à conclusão de que era inútil. Também não mediram esforços para prestar seu apoio sua cunhada Carmem (irmã de Fernando) e Veveco Kochenborger, bem como sua sogra, Senilda Machado, e todos os primos e primas de Luísa. Adriana resume dizendo que todas essas pessoas mencionadas formaram, em torno dela e da filha, uma grande família: "Hoje a Luísa tem mais de uma mãe, mais de um pai", comemora. Atualmente, Adriana já reconquistou o conforto de um lar para si mesma e para a filha, sem perder, contudo, a convivência com os familiares.
A partir do fechamento da farmácia, Adriana trabalhou durante algum tempo como empregada doméstica, atividade que conciliava desde já com a venda de doces, que, como se sabe, se tornaram sua especialidade. Sobre os tempos de maior dificuldade, Adriana confessa ter vivido momentos críticos, dias em que sentiu vontade de desistir de tudo. Como ela própria define, "São horas em que se pensa ter recebido uma carga maior do que a capacidade de suportar". Mas o remédio para esse tipo de pensamento estava ali, o tempo todo ao seu lado, inclusive para ajudar a evitar pensamentos negativos: "Em meio à dor, a gente olha para o filho e vê nele uma bênção, um motivo mais do que suficiente para prosseguir. Decorrente disso, se reconquista o amor próprio, e não esquecemos das orações. Inverter os pensamentos negativos, acreditar na gente mesmo e manter a estabilidade emocional é um trabalho que deve ser empreendido dia após dia, e acredito que assim seja pela eternidade", afirma.
Sobre o seu trabalho atual de preparação de doces, um a um entre tantos, Adriana ressalta que a parte mais gratificante dessa tarefa consiste em chegar a um lugar com a caixa do produto final e ver as pessoas virem ao seu encontro: "É uma realização. Não é só pelo dinheiro que saio à rua. Eu ganho muito em amizade, e isso não tem dinheiro que pague. Muitas vezes, eu chego nos lugares e os doces são um mero detalhe. Em certos casos, o que falta é dizer uma palavra, dar um abraço", salienta. O segredo do sucesso, define Adriana, está em fazer as coisas com o coração: "Se você está bem, as pessoas ao seu redor irão sentir isso. A paz interior é a palavra principal. E, se você tem paz, pode distribuir parte dela. Mas isso também é uma riqueza a ser conquistada um dia após o outro", declara.
Quando olha hoje para o tempo transcorrido, vendo a filha, hoje com 17 anos, já cursando a faculdade de Direito, na Unisc, Adriana afirma sentir antes de tudo orgulho, "mesmo com esses desencontros e esses rumos com que a gente se deparou". E prossegue: "A Luísa foi o melhor presente que Deus me deu. Eu nunca pude dar muito a ela, mas dei estudo. E ela sempre foi muito estudiosa, nunca pegou uma recuperação. Como mãe, não se quer que os filhos sofram. E a Luísa chegou a uma idade em que não posso estar em todos os lugares que ela frequenta. Então eu protejo com oração", salienta.
A respeito do ofício de ser mãe na atualidade, Adriana resume em duas palavras: "É um desafio. E uma responsabilidade. Porque essa é uma daquelas coisas que ninguém ensina - eu aprendi com minha mãe, que, por sua vez, aprendeu com a minha avó. A gente pode cometer erros, e isso é natural. Nesse sentido, todo dia é um recomeço". Ao ser questionada sobre a razão de considerar a maternidade um desafio, ela mostra estar familiarizada com os rumos do mundo na atualidade: "Por tudo que está acontecendo à nossa volta. Por toda essa luta pelo ter, pelo status". E deixa uma lição preciosa: "Penso que não podemos perder a humildade, em momento algum. Porque sem ela a gente fica cego e não dá valor às pequenas coisas". A julgar pela opinião da filha Luísa, Adriana sabe muito bem o que diz: "Por tudo o que já passou, ela é uma supermãe. Ela seguiu em frente por mim", resume, comovida, a filha.
Adriana também fala da fundamental importância do bom humor ao longo de sua trajetória: "Se não rimos, e muitas vezes de nós mesmos, corremos o risco de ver apenas o lado negativo das coisas, e se torna mais difícil encontrar soluções. E sufocamos a criança que, na minha opinião, devemos manter sempre viva em nós". Ela complementa dizendo que a única coisa sem conserto é a morte. "Quanto ao resto", completa Adriana, "as coisas começam pela gente, no momento em que nos encontramos com nós mesmos".
Questionada sobre a existência ou não de um segredo para vencer os desafios sem perder o humor e a humildade, Adriana afirma que, "Depois de cair muitas vezes, a gente aprende a se levantar com mais facilidade. E eu agradeço a Deus pelas adversidades, pois com elas tive oportunidade de aprender", finaliza, com simplicidade, quem parece não perder uma chance de aprendizado. E, para concluir, um consenso: lições aprendidas através do próprio esforço e por experiência própria dizem muito mais do que histórias de que se ouviu contar por terceiros. Isso por uma razão muito simples: o "era uma vez" das histórias imaginárias cede lugar, de muito bom grado, ao "aqui e agora" muito bem vividos, entre tantas outras definições, de um tempo reconquistado, em que se vive, mesmo depois de tantos rumos inesperados, com a alma apaziguada.