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Geral 01/11/2019 15:00
Por: Luciano Mallmann

Por que jovens estão se automutilando?

  • Médico Fernando Godoy Neves:

Inicialmente pode ser apenas um simples corte no braço, algo que talvez nem chame muita atenção. Dias depois, outro corte aparece, só que, dessa vez, no pescoço, e a partir de então o fenômeno dificilmente passará desapercebido. Trata-se de um comportamento que tem se tornado muito frequente em jovens, principalmente adolescentes. Quase sempre acompanhados de grandes doses de incompreensão, esses sinais em braços, pescoço ou outra região do corpo devem ser vistos como indício claro de que algo não vai bem na vida de quem assim age. Desde que foi pela primeira vez diagnosticado como recorrente em vários indivíduos, passou a chamar-se automutilação o ato de ferir a si próprio, e todas a interrogações convergem para uma mesma direção: por quê? Com o objetivo de saber um pouco mais sobre o problema, a Folha ouviu o psiquiatra Fernando Godoy Neves, psiquiatra santa-cruzense, que esclareceu algumas dúvidas sobre o assunto.

Segundo o médico, existem várias formas de automutilação, autoinjúria e comportamentos autolesivos. O mais comum entre eles é se cortar, usando para isso gilete ou estilete. Também é assim considerado o ato de morder-se ou beliscar-se repetidas vezes, e, assim, provocar ferimentos. Mais comum entre as meninas, puxar ou arrancar os cabelos são outra face dessa anomalia. Ainda são comuns as queimaduras autoprovocadas com fogo (às vezes com gelo), inserir objetos, como alfinetes, dentro do corpo ou embaixo da pele; tatuar-se com cicatrizes feitas com objetos cortantes. As regiões do corpo mais habituais, pois mais acessíveis, são os braços, o abdômen e a parte interna das coxas. Essas práticas são mais frequentes em jovens, em sua maioria adolescentes. As meninas são acometidas em maior número.

A pessoa que pratica a automutilação - cientificamente conhecida como autoinjúria não-suicida -, está dando claros sinais de que não está bem. De acordo com Fernando, a pessoa não está necessariamente passando por depressão ou transtornos de ansiedade, mas sim tendo algum sofrimento emocional, que está gerando esse estresse psicológico. Por isso, não deve ser considerado como algo normal (como "coisa de adolescente"). A partir disso, deve-se buscar saber a natureza e a origem de tal sofrimento. Múltiplos podem ser os fatores que causam esse sofrimento: questões de relacionamento familiar, questões mais pessoais e íntimas do jovem, de violência ou mesmo de abuso. Muitas vezes, na aparência, a única coisa evidente é que o jovem está sofrendo.

“A dor física alivia a dor emocional”

Indiferentemente de ser às vezes considerada autopunição ou tentativa de punir terceiros, o que se sabe é que a automutilação, ou o ato de se machucar e produzir assim uma dor física, traz alívio aparente ao jovem. "A dor física alivia a dor emocional. Pode parecer muito estranho, mas é isso que eles sentem", afirma Neves. Existe também a possibilidade de que essa maneira de se atingir através do ferimento é uma alternativa a outro mal pior: o suicídio. Mas a automutilação, na maior parte dos casos, é um fim em si mesmo. Reconhece-se, porém, que o risco de suicídio entre esses jovens, por estarem já habituados a se machucar, é significativamente maior.
Diante de um quadro de automutilação, a maneira mais eficaz de prestar ajuda é valorizar a pessoa, procurar estabelecer um diálogo ou um suporte - e jamais pensar que se trata de um mero comportamento para chamar atenção. O jovem precisa realmente de ajuda e não está sabendo lidar com a situação. Fernando ressalta que, a respeito desse assunto, é necessário priorizar o fato de que a automutilação não é normal, mas sim algo sério e que deve ser abordado, porque a pessoa não se encontra bem.

As situações descritas acima levam inevitavelmente à necessidade de buscar saber a causa do sofrimento do jovem em questão. Essa avaliação é feita em geral por um psicólogo ou psiquiatra. A automutilação é o sintoma de que algo não está sendo vivido com tranquilidade pelo jovem. A avaliação por um especialista nas dores da alma é fundamental, e evita que o problema se agrave. Até que essa avaliação seja possível, é importante conversar e buscar saber o que acontece. Apoio nunca é demais.