Por: Odete Jochims
Piso da enfermagem: votação sobre suspensão será concluída esta semana
Enfermeiras de Candelária estiveram em protesto da classe em Santa Cruz do Sul, no feriado do dia 7, em defesa do piso nacional
O Projeto de Lei 2564/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que institui o piso nacional da enfermagem, foi aprovado pela Câmara e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em agosto. Recentemente, a pedido de estados, municípios e associações de hospitais, que argumentavam a necessidade de demissões em massa caso o projeto fosse aprovado, o ministro do STF Roberto Barroso suspendeu a lei do piso no início deste mês. No momento, a manutenção da liminar está sendo votada pelos ministros do Supremo. A expectativa é que a votação seja concluída nesta sexta, 16.
A categoria está acompanhando de perto os desdobramentos da questão. Ana Cristina Pinto, 35 anos, técnica de enfermagem no Hospital Candelária e representante candelariense do Sindsaúde, conta que esteve presente, junto de diversos colegas, na manifestação em Santa Cruz do Sul. O ato pedia a valorização da categoria e a defesa do piso nacional. Segundo a enfermeira, hoje um técnico de enfermagem ganha em torno de R$ 1.700 – removidos eventuais acréscimos por trabalho noturno ou insalubridade. A proposta fixava remuneração mínima de R$ 4.750 para enfermeiros. Técnicos em enfermagem deveriam receber 70% desse valor (R$ 3.325), e auxiliares de enfermagem e parteiros 50% (R$ 2.375).
Até o fechamento desta edição, a tendência da votação estava para a manutenção da suspensão do piso. “A categoria está bem disposta a seguir lutando. Estávamos na linha de frente da pandemia quando perdemos colegas para o vírus. Sabemos a dor de cada perda porque nós sentimos isso na pele. Pouca gente sabe o que é fechar um plástico para ensacar uma pessoa; o que é sofrer junto com as famílias. Nós deixamos os nossos amores em casa para cuidar dos amores das outras pessoas. Eu sei que não estou sozinha ao achar mais do que merecido termos o direito a esse piso, tanto os enfermeiros, quantos os técnicos, auxiliares e parteiros. É uma luta que não vai parar”, relata Ana Cristina, emocionada.
A enfermeira explica que a atual remuneração faz com que muitas enfermeiras necessitem cumprir jornadas exaustivas para sustentar a família. “Com essa valorização, nós nos sentiríamos aliviadas. Tenho colegas que, para conseguir sustentar uma casa, trabalham em 2 ou 3 empregos. Com o piso, não seria necessário trabalhar em mais de um emprego”. A nova remuneração, segundo Ana Cristina, seria uma valorização fundamental para a classe. “Há pouco tempo atrás éramos heróis e heroínas. As pessoas batiam palmas para nós. Tudo certo aplaudir mas, por favor, nos valorizem.”, finaliza.
Proposta não acompanhou orçamento da Saúde
O principal argumento de hospitais, estados e municípios contra a aprovação do piso nacional neste formato é de que o impacto orçamentário forçaria entidades a demitir funcionários e descontinuar serviços. “Nenhum dos diretores de hospitais é contra o piso da enfermagem. O problema é que o Projeto de Lei do piso foi criado com um vício inicial: em nenhum momento foi apontada a fonte de financiamento”, aponta Aristides Feistler, administrador do Hospital Candelária.
Entre os dias 19 e 23 de agosto, a Confederação Nacional de Saúde realizou uma consulta com 2.511 instituições de saúde sobre o tema do piso. Segundo a pesquisa, mais da metade das entidades precisariam reduzir leitos; 77% reduziriam o corpo de enfermagem; e 59% reduziriam investimentos. “No Hospital Candelária, nós temos 150 funcionários; destes, 72 são técnicos de enfermagem e 16 enfermeiros. Se nós tivéssemos que honrar o piso, teríamos um impacto no orçamento de mais de R$ 140 mil a mais por mês, o equivalente a R$ 1,6 milhão no ano”, pontua Feistler.
A grande dificuldade enfrentada pelas casas de saúde brasileiras, sobretudo as instituições mais dependentes de recurso do SUS, é a estagnação do orçamento destinado à Saúde. A tabela de procedimentos do SUS, que lista os valores de remuneração de cerca de 5 mil procedimentos médicos, por exemplo, está defasada há mais de uma década. “O recurso que nós recebíamos há 9 anos atrás é o mesmo que nós recebemos hoje. Contudo, a folha de pagamento dos funcionários mais que duplicou apenas pela reposição da inflação. Alguns antibióticos, por exemplo, subiram cinco vezes em dois anos. Não temos como fazer milagre”, conclui o administrador.