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Geral 18/03/2022 10:12
Por: Odete Jochims

Os sonhos, as perdas e os agradecimentos da família Mallmann

Depois de 36 anos, a Folha de Candelária mudará sua administração

  • Rosa Nilse Mallmann
  • Jorge Mallmann e o filho Thomás
  • Ester e Jorge Mallmann e Odete Jochims
  • Luciano Mallmann
  • Marco Mallmann
  • Marco Mallmann
  • Roque Mallmann
  • Rosa Nilse Mallmann
  • Rosa Nilse Mallmann
  • Marco Mallmann

As pessoas empreendem exclusivamente por dois motivos que, muitas vezes, se entrecruzam: a necessidade e o sonho. No caso da Folha de Candelária e da família Mallmann, é muito difícil dizer onde termina a necessidade e quando começa o sonho (ou vice-versa).

Em meados da década de 1980, os Mallmann residiam em Venâncio Aires. O patriarca, Roque Mallmann, era corretor de cereais e sua esposa, Rosa Nilse Mallmann, trabalhava em uma loja de tecidos. O casal tinha três filhos. Jorge era o mais velho. Ele cursava Direito e trabalhava no antigo Banco Sulbrasileiro; Marco, o filho do meio, morava em Santa Maria para estudar jornalismo; e o caçula, Luciano, ainda estava em idade escolar.

O período da redemocratização no Brasil, entre 1985 e 1989, foi marcado pela abertura de jornais em várias cidades pequenas e médias do país. Os Mallmann, por sua vez, enfrentavam dificuldades financeiras em Venâncio e, com isso, Roque passou a conceber a possibilidade de seguir essa tendência e transformar a formação de Marco em um negócio familiar. Para tanto, era preciso encontrar uma cidade que ainda não tivesse um jornal. Foi então que Roque, estimulado por amigos, escolheu Candelária.

E lá se foi a família toda, no início de 1986, fundar um jornal em Candelária. Chegando na nova cidade, foi necessária uma grande dose de improviso até as coisas se ajeitarem. Em um primeiro momento, Roque e Nilse alugaram um quarto de pensão, enquanto Marco, um amigo seu de Santa Maria, Flavio Costa, e Luciano dormiam no que viria a ser a primeira redação do novo jornal, na Av. Marechal Deodoro, 1260. Jorge só iria para Candelária mais tarde, no final de 1986, já formado, para abrir um escritório de advocacia e complementar a equipe de trabalho.

"Eu tinha muito medo de que a Folha não desse certo", revela Nilse. O receio não surpreende. Afinal, os dois últimos jornais que abriram na cidade não tiveram vida longa e a família estava apostando todas as suas fichas no negócio. "Era uma mistura de dois sentimentos bem distintos. Por parte de alguns, a incredulidade de que o empreendimento desse certo; por parte de outros, o entusiasmo", conta Luciano. E assim, a partir do dia 18 de março de 1986, Candelária virou notícia: nascia a Folha de Candelária.

 

Os sonhos

Se por um lado é verdade que a busca por um novo ganha-pão guiou as escolhas da família, é impossível negar a vocação e o idealismo que Marco tinha pelo jornalismo. Seu primeiro jornal foi criado muito antes de pisar numa universidade. Quando tinha 12 anos, por exemplo, o então futuro jornalista já elaborava um periódico de circulação familiar intitulado “O Olho”, no qual ele escrevia suas matérias a partir de enciclopédias e outras fontes similares. Nesse sentido, a Folha de Candelária era uma forma de Marco implementar a sua visão de jornalismo, agarrando a grande chance de vincular-se a essa nova comunidade e sonhar junto com ela.

Assim, para a ala dos entusiasmados, a Folha era um espaço de movimentação cultural no município. Uma das primeiras iniciativas do jornal foi a criação do espaço “Opinião”, para o qual a redação convidava diversos representantes da sociedade candelariense para escreverem artigos. A lembrança da família é de que a negativa ao convite era praticamente inexistente: todos queriam participar.

A redação também consistia num espaço de encontro para diversas iniciativas culturais. Lá se reuniam, por exemplo, os membros do núcleo cultural “Terra Nossa”, que juntava pessoas interessadas na preservação do patrimônio histórico e cultural do município. Além disso, diversos eventos surgiram do seio da Folha, como o “Gente Nossa”, um festival de música, dança e artes plásticas que reunia talentos locais e regionais, e o concurso de beleza “Musa do Sol”, que segue mais vivo do que nunca. Em comum, todas estas ações carregavam o propósito de valorizar o imenso potencial que Candelária oferece e, em certo sentido, despertar a autoestima da própria comunidade.

 

As perdas

A trajetória da família na Folha de Candelária teve revezes marcantes. O primeiro foi a morte de Roque Mallmann, em 1990. Até então, a principal função de Nilse era a de receber os clientes e assinantes; a partir de então, ela assumiu um maior protagonismo na administração da empresa.

No entanto, o momento mais traumático ocorreria no final de 1994. Marco fazia questão de ter um barulhinho de fundo nas jornadas de fechamento de edição. E, naquele fatídico dia de dezembro, o seu querido Grêmio iria jogar. O sinal da televisão, no entanto, não estava funcionando. Marco fez questão de ele mesmo solucionar o problema e decidiu subir para mexer na antena, talvez provando não haver uma diferença clara entre a teimosia e a persistência. Jorge conta que foi ouvido um barulho e, a pedido de sua mãe, foi lá conferir o que havia acontecido. Seu irmão havia caído.

A morte de Marco aos 30 anos, além de uma tragédia pessoal, fez com que a Folha perdesse o seu esteio. “Todo mundo achava que a Folha ia fechar, pois o Marco era a referência da Folha”, lembra Nilse. Ainda durante o velório, Luciano e Jorge fizeram a ela a mesma pergunta: “O que vamos fazer agora?”. A resposta veio sem muita hesitação: “continuar e trabalhar”.

A família perseverou. No início de 1995, Jorge abandonou a carreira de advogado para se dedicar integralmente à Folha. Luciano, por sua vez, deixou os estudos em Santa Maria para fazer o mesmo. "A gente se sente no dever moral de levar o sonho adiante – um sonho que, na verdade, não era o nosso. Mas que, a partir das circunstâncias, passaram a ser nossos também", reflete Luciano. “Para nós, como família, foi a colocação em prática do verbo ressignificar”, completa.

 

Os agradecimentos

A Folha de Candelária seguirá. No entanto, a família Mallmann se despede do seu empreendimento. E, para dona Nilse, como ficou conhecida na comunidade, um sentimento que não falta é gratidão. "O jornal foi tudo para nós: uma forma de sobrevivência e um modo de vida. Nós agradecemos muito, muito, muito às pessoas que nos apoiaram ao longo destes anos. E à comunidade, nosso agradecimento por termos podido, durante estes 36 anos, realizar o nosso sonho", finaliza.

Luciano também deixa a sua mensagem. "Dar continuidade aos sonhos alheios, que se tornaram também nossos, nem sempre é uma tarefa fácil. Muitas vezes nós não estamos à altura. E o papel de determinar se nós realizamos bem ou mal esse ofício não cabe mais a nós, mas à comunidade", conclui.

E aqui abro um espaço incomum aos textos jornalísticos. Como filho do Marco, sobrinho do Jorge e do Luciano e neto da dona Nilse e do seu Roque, entrego este texto como uma forma de homenageá-los e, ao final deste longo ciclo, deixar vivo, nestas linhas e na memória dos leitores da Folha, a trajetória de sonho e luta vivida por esta família ao longo destes 36 anos.

Por : Arthur Lerch Mallmann