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Colunista 08/10/2017 19:06
Por: Wagner Azevedo

De hoje às eleições, quem e o que sobreviverá nessa campanha irracional?

Daqui a um ano estaremos chegando ao ápice, ou à fossa, de uma violenta disputa política no país. As eleições de 2018 serão a expressão do cotidiano de um país que desde 2013 sai às ruas e ao mundo desordenadamente. As “jornadas de 2013” evidenciaram uma insatisfação popular ao establishment, mas sem uma certeza de qual rumo tomar. A incapacidade dialógica no jogo político brasileiro, afagado apenas com malas de dinheiro, não é apenas o diagnóstico de uma sociedade sem pilares sólidos para um projeto de Estado, como a própria doença.

As jornadas de junho de 2013, iniciadas pela revolta contra o aumento da passagem em São Paulo, tornaram-se um movimento caótico, de insurgência contra a classe política e o que representam. Além da gravidade de existir uma classe política no país, a expansão de um movimento popular, e com histórico importante, a favor do passe livre, foi velado em nome de uma população desordenada, sem unidade e clareza nas reivindicações. Cartazes e gritos contra a corrupção, a Copa, as Olimpíadas, o Bolsa-Família, as ações afirmativas, se misturavam com gritos por mais educação, saúde, segurança e, secundariamente, o passe livre. As classes sociais misturavam-se nas ruas, grandes empresários, microempresários, trabalhadores e estudantes agiam em conjunto sem um horizonte comum. Um campo de batalha contra um inimigo comum, mas que de todo modo diluía-se entre os cidadãos postos à guerra. Mal se nomearam os inimigos, mal se nomearam os aliados.

A existência de uma classe exclusivamente política é um dos males da suposta separação dos interesses públicos e privados. Tão ruim quanto à existência desta classe é homogeneizá-la, mesmo com tantos motivos para tal. Expõe-se no Brasil, e em boa parte do mundo, que o político tradicional carrega consigo a essência da corrupção e da vagabundagem. O público, na leitura confundida com o privado, é o vilão dos problemas sociais. Essa é uma das patologias da modernidade apontadas por Habermas, onde o mundo da vida e o sistema se separam. A economia, o dinheiro como sistema conduz a esfera privada da vida; o Estado, com o poder, conduz a esfera pública da vida. A condução da vida é submetida aos poderes econômicos e políticos, gerando, sobretudo, como estamos vendo com a Lava-Jato no Brasil, grupos que se sobrepõem e se complementam para confluência dos seus interesses, mesclando o privado com o público. Nos interesses privados e públicos das massas que foram às ruas em 2013 cria-se o isolamento e a carência de representação, a incompletude e incapacidade de ação transformadora. A perspectiva futura da juventude, da classe trabalhadora e de pequenos empresários é submetida à vontade dos grupos que gerem a relação dos poderes políticos e econômicos, por isso em momentos de crise “o gigante adormecido” desperta sem coerência interna, sem qualquer racionalidade pretendida de uma sociedade moderna. Eis que a confusão criada pela crise do Estado moderno chega ao seu ponto decisivo da participação cidadã: o poder do voto. A desilusão com a classe política já é manifestada desde as eleições de 2016. “Novos políticos”, ou “gestores”, assumem protagonismo. Políticos velhos, como Bolsonaro e Ciro Gomes, adaptam o discurso de que são diferentes de tudo que está posto, vivendo há décadas exclusivamente da política, defendem-se dizendo que nunca fizeram parte dos jogos de corrupção.

A liderança de Lula nas pesquisas aponta a força da militância petista em manter os avanços sociais e econômicos como marcas do lulismo – o ex-presidente afirmou essa semana “que Lula é uma ideia”. Se em 2014 houve a polarização intensa entre PT e PSDB, para 2018 se espera uma fragmentação desses grupos de insatisfeitos a procura de um político, ou não político, que possa ser a salvação da crise – econômica, política, moral... e onde mais o discurso queira apontar problemas. Com o poder que a classe política brasileira tem sobre as esferas privadas e públicas do sistema e da vida, acredito que no segundo turno haja a polarização entre a suposta transição de sistema, pela manutenção deste. Aos moldes das eleições estadunidenses, entre o establishment representado pela Hillary Clinton e a nova política pelo não-político Donald Trump.

Entretanto, há uma diferença acentuada nas militâncias de 2014 e 2018: a violência da parte insatisfeita. Se o ódio em 2013 era diluído em meio a tantos discursos em busca da promoção de direitos, hoje existem parcelas da direita organizadas para a efetivação de projetos liberais e/ou conservadores (ao modo brasileiro). O vazamento das conversas da cúpula do MBL nessa semana explicita a construção do projeto de poder liberal para as próximas eleições. Bolsonaro torna-se protagonista nas redes sociais e em comentários de portal de notícias. Pouco se sabe de onde a militância parte, ou se organiza, mas é a principal expressão do ódio dos insatisfeitos com a crise – ou satisfeitos, em certo ponto, para exporem os seus ódios reprimidos. O PT, apesar do fracasso nas eleições de 2016, tem uma militância efetiva, e a figura de Lula ainda resistente aos ataques da oposição. As projeções para a campanha nesses próximos 12 meses são infelizmente de violência e irracionalidade, em um cenário em que não há qualquer diálogo entre os protagonistas e suas bases.

E qual seria o comportamento cidadão e racional neste cenário? Segundo a teoria de Habermas, somente uma democracia deliberativa, pautada no agir comunicativo, no diálogo e na exposição dos diferentes discursos, poderia equilibrar a dicotomia de sistema e vida. Construir uma democracia com diferentes atores e protagonistas, além dos interesses de quem controla o sistema, demanda um novo projeto de Estado. Racionalmente, seriam nas crises os melhores momentos para a discussão e elaboração de projetos. Na nossa realidade irracional, o debate segue no âmbito moral, das acusações pessoais a determinadas classes e ideologias que nem são evidentes. Por isso, a quem couber racionalidade e diálogo nesse tempo, precisa assumir a postura do debate, planejamento e projeção de Estado.

E lembrarmos, a exemplo de 2014, que o projeto das urnas não necessariamente é o projeto executado. A participação social na política precisa urgentemente ser uma constante para a estabilidade estatal.