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Geral 18/08/2017 10:38
Por: Luciano Mallmann

Confira texto inédito e mais fotos da Picada Karnopp e Vila União

Assunto da última edição da série Conhecendo Nossas Localidades, região serrana de Candelária é rica em belas paisagens. Junto com a seleção de fotos, confira também um texto inédito

  • Sepultura de João Karnopp, Cemitério Evangélico de Linha Cereja, Arroio do Tigre (Crédito: Luciano Mallmann)

Fotos: Daiani Ferrari Trindade

Texto: Luciano Mallmann

 

Epílogo: palavras finais

Concluído o recolhimento de informações para este especial, através de entrevistas, pesquisas em publicações diversas, o histórico das escolas, seleção de imagens, além da comparação de datas de nascimento e morte e verificação dos anos de abertura da estrada, a reportagem, percebendo a extensão desses dados, para que não houvesse erro, capitulou e viu o quanto é preciso, em larga escala, lidar com elementos em grande medida desconhecidos ou no mínimo incompletos. É o momento em que se percebe que, quando se trabalha tendo em vista o passado, grande parte do que se escreve permanecerá no campo das possibilidades, do aproximado, e em alguns casos, como no que se refere a pessoas, de fatos completamente ignorados. Nesse sentido, escrever sobre João Karnopp é uma experiência paradoxal. Paradoxal considerando a realidade inegável do progresso trazido pelo trabalho por ele liderado na abertura da estrada e, posteriormente, pela abertura da serraria, da casa comercial, da fábrica de erva-mate e pela criação de gado. Por outro lado, é possível interrogar a expressão e o aspecto que uma figura humana assume num mundo que ela ajudou a estabelecer, ao tomar a frente, tornando-se um líder.

Tais fatos são inegáveis e, examinando o conjunto da obra, João Karnopp foi realmente um pioneiro, um desbravador, no melhor sentido de tais palavras. Ao mesmo tempo, o fato de ele ter trabalhado tanto para trazer à luz uma nova realidade faz com que se queira saber mais a seu respeito, a fim de poder completar seu retrato por meio de palavras. Assim, buscam-se não informações complementares, mas antes as informações mais básicas, fáceis de descobrir quando se tem em mente cidadãos comuns. Geralmente, tudo consta nos registros civis. Sendo assim, a respeito de João Karnopp, a pergunta que fica é: por que tantos dados acerca de sua vida permanecem ignorados e tantas perguntas, sem resposta? Pois de muitos imigrantes chegados há quase duzentos os fatos estão plenamente acessíveis nos registros, a quem quiser ver. Porém, poucos deles têm no seu histórico o fato de ter possibilitado tão expressivo progresso em uma região. Entre tais questionamentos inconclusivos, entre eles o próprio local de nascimento de Karnopp, estão questões cuja simples menção poderia até mesmo fazer com que se incorresse em falta de ética, no sentido de expor de modo indevido a intimidade de um ser humano. Por essa razão, em relação à maior parte delas, optamos por silenciar. Porém, as circunstâncias de sua morte, bem como as próprias causas de seu óbito, permanecem desconhecidas. Sua esposa Auguste repousa em Deus no Cemitério José Türk, da Linha do Rio. No caso de João, os fatos são um pouco mais complicados, e logo em seguida se verá por quê. De outro modo, alguém pode interrogar, afinal, o que se passa na mente de um homem sob um céu estrangeiro, passados já tantos anos de seu nascimento em outra pátria. Existem céus estrangeiros? E o que se pode saber de duradouro, de verdadeiro, a respeito de um ser humano? Seja como for, ao final dessa pesquisa, não se tendo um retrato de João Karnopp, a ideia foi buscar, em outro município, uma fotografia de sua pedra tumular, como sinal evidente de sua passagem pelo mundo. Contudo, mesmo numa tarefa aparentemente tão simples, foi necessário deparar-se com percalços difíceis de prever.

Como se disse acima, a ideia era simples. Romeu Karnopp, tataraneto de João, seria o motorista e planejava percorrer um atalho, indo por um caminho que, pensava, seria mais breve. Em termos práticos, ele estava correto. Acontece que o que parecia ser mais breve acabou se revelando também em grande parte desconhecido. Ao longo de vários caminhos possíveis, foram necessárias algumas paradas para perguntar aos transeuntes sobre o caminho a seguir rumo ao destino desejado. Por fim, rodados muito mais quilômetros do que o planejado, chegou-se ao destino: o Cemitério Evangélico de Linha Cereja, em Arroio do Tigre.

Na pequena necrópole, uma boa alma havia plantado flores amarelas numa das sepulturas. Como uma praga em vez de flor, a planta se recusou a permanecer nos estreitos limites traçados para a extensão de um corpo humano, invadindo os descaminhos entre praticamente todo o campo santo. Cuidando o tempo todo para não pisar as flores, dávamos continuidade à busca pelo túmulo de João Karnopp. O cemitério era pequeno: não havia muito onde procurar sem se deparar logo com um nome tão simples. Porém, o que é simples, entre tantos nomes estrangeiros, pode inverter a pequena ordem estabelecida e criar uma regra própria, contrária à maioria. Depois de meia hora, o local de repouso de João Karnopp parecia de fato não constar dos limites internos do pequeno cemitério de Linha Cereja, interior de Arroio do Tigre, e, consequentemente, era como se isso significasse estar ausente também do resto do mundo.

Mas eis que, do nada, surgiu uma lápide quebrada, com os dizeres virados para baixo. Com a ajuda de um zelador, Romeu Karnopp ergueu a pedra e a reclinou sobre um pedestal que havia permaneceido incólume no lugar. As inscrições eram ilegíveis, pois uma densa camada de terra a recobria. Com a ajuda de uma pedra, os dois se puseram a retirar aquela massa que parecia estar ali há muitos, muitos anos. E, com a ajuda de um tecido encontrado por ali mesmo, a lápide foi polida. Devagar, uma a uma, ressurgiram, nítidas, como que protegidas pelo tempo em que esteve recoberta de terra, as letras que formam o nome de João Karnopp, sob a tradicional inscrição em alemão. Abaixo, os anos do nascimento e morte, 1836 e 1920. No instante exato em que esse nome se deparou com o ar puro e os olhares que o buscavam, retornaram à mente todas as dúvidas que já pairavam sobre aquela existência extinta. Para nós, que buscávamos uma foto, um tanto atordoados com tantas dúvidas, a lápide parecia zombar de nossa ignorância. E o pequeno cemitério parecia estar carregado de um ar cúmplice, solícito a João Karnopp, de uma terra que jurou silêncio eterno sobre tudo que dizia respeito a cada um de seus eternos protegidos.