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Opinião 23/09/2017 09:43
Por: Jorge Mallmann

Uma análise dos dias que vivemos no Brasil

A Coluna Radar é publicada todas as semanas na página 2 da versão impressa da Folha

Ética x canalhice
Ao longo dos anos, em função de alguns costumes e práticas não recomendáveis, o Brasil, na percepção de muitos de seus moradores, tornou-se o país do jeitinho. Esse jeitinho pressupõe invariavelmente atitudes e comportamentos não éticos. Mas talvez em nenhum outro momento de sua história como agora se perceba tanto a falta de ética no dia a dia dos brasileiros. A propósito do tema, a Zero Hora do último final de semana apresentou uma oportuna e muito adequada entrevista com o filósofo, jornalista e escritor Clóvis de Barros Filho. Segundo o entrevistado, a ética é a vitória da convivência sobre a canalhice, e a sociedade está doente quando permite que o canalha vença. Muito requisitado para conferências em todo o Brasil e exterior, Barros Filho defende um país mais ético, acreditando que, em termos de moral, estamos longe de um padrão ideal. Alguém consegue contestar esse ponto de vista?
Sociedade anestesiada
Na sua análise, o conferencista identifica uma sociedade anestesiada pela perplexidade diante do sucesso da desonestidade. Isso ocorre, segundo argumenta, em razão da convivência rotineira com maus exemplos morais, criando uma tolerância e uma aceitação da falta de ética. É de fato muito triste constatar que estamos perdendo nossa capacidade de indignação diante dos que querem levar vantagem em tudo, desrespeitam o direito alheio, burlam leis de trânsito ou decidem simplesmente urinar numa piscina de uso coletivo. 
Só na base da repressão
Questionado sobre o que mais o inquieta no Brasil atualmente, Barros Filho dá uma resposta que também dá o que pensar. Segundo argumenta, as pessoas crescem acreditando que só se obtém comportamentos justos dos outros na base da repressão. Essa realidade, conforme acrescenta, deixa-o inquieto, como quando uma diretora de escola diz: “Vocês devem se comportar porque tem uma câmera fiscalizando.” Neste caso, ele salienta, a diretora passou por cima da necessidade de aquelas crianças terem uma formação suficiente para agir adequadamente sem nenhum tipo de repressão. Para o jornalista e escritor, impressiona que, a cada dia que passa, estamos mais submetidos à fiscalização e menos espaço sobra para o discernimento, aquela liberdade de saber o que é certo e o que é errado. “Isso empobrece a dignidade humana”, conclui. 
O único caminho
Mas, afinal, como é possível mudar esse quadro? A questão envolve componentes sociais e culturais e a solução não passa por nada mirabolante, algo como querer reinventar a roda. A história mostra para quem quiser ver que nenhuma nação transformou positivamente seus indicadores sem investimentos verdadeiramente concentrados em educação. Mas, enquanto isso, quem decide as coisas por aqui prefere canalizar bilhões de recursos públicos para financiar partidos e campanhas eleitorais. Não existem adjetivos para qualificar tal pretensão, mas serve para ilustrar bem como, de fato, a canalhice se sobrepõe à ética no país.
(Coluna publicada na edição da Folha do dia 22 de setembro de 2017)