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Opinião 18/10/2023 08:50
Por: Redação

Resgatando Raízes: A Importância das Práticas Alimentares Tradicionais

Os saberes alimentares e as tradições culinárias desempenham um papel fundamental na identidade cultural de uma comunidade. No interior de Candelária-RS, onde a história e a agricultura familiar se entrelaçam, encontramos um rico tesouro de conhecimento transmitido de geração em geração. À medida que os anos avançam e a modernidade avança, é vital preservar e valorizar essas tradições culinárias. Susana Winhelmann 75 anos e Ramiro Winhelmann 80 anos, agricultores de longa data, compartilharam suas experiências de vida, revelando como a alimentação e a culinária eram intrinsecamente ligadas ao seu modo de vida. A respeito disso Michel de Certeau, que foi um historiador na área das ciências sociais reforça as experiências do casal como “uma experiência tradicional comunicada pela educação[...].”

A história deles é um lembrete de como as práticas alimentares podem moldar nossa cultura e memória.  A decisão de deixar a escola cedo para ajudar suas famílias nas atividades agrícolas foi um testemunho de como a terra e a agricultura eram centrais em suas vidas. Hoje, eles desfrutam da aposentadoria, mas suas histórias ecoam a dedicação e o amor à terra que moldaram sua existência. O casal relembra como a diversidade de alimentos era essencial para sua sobrevivência. Cultivar milho, mandioca, feijão e outros produtos de subsistência garantia que nunca passassem fome. Eles compartilham memórias de produzir farinha de milho, polvilho, extrair mel, preservar peixes salgados, carne conservada na banha e fazer bolinhos de batata, práticas que enriqueceram sua dieta e sustentaram sua família. As práticas alimentares tradicionais de Susana e Ramiro incluíam a fabricação de linguiças, o churrasco e a salada de maionese e outras hortaliças, que se tornaram marcas registradas da família. Ramiro narra como introduziu o charque em sua alimentação. — Meus pais tinham uma casa grande, que servia de paragem para as tropas de gado que vinha da fronteira para a cidade de Soledade, então trocávamos galinhas por charque. Essas atitudes eram um símbolo de solidariedade e comunidade, um testemunho da importância de se apoiar mutuamente em tempos difíceis.  Esses pratos são muito mais do que comida; eles são heranças culturais que transmitem o sabor e o afeto de geração para geração. No entanto, o avanço da modernidade trouxe desafios para essas tradições. A preferência por alimentos industrializados e prontos para consumo ameaça apagar o valor dos alimentos preparados com amor e cuidado em casa. Susana reforça com a seguinte fala. — O pessoal mais novo não tem muito gosto pelas comidas mais tradicionais[...]. As práticas de plantio também mudaram, com culturas de subsistência como o arroz de sequeiro quase desaparecendo

O exemplo de Susana e Ramiro nos faz refletir sobre a importância de resgatar e preservar esses saberes alimentares. A comida não é apenas uma necessidade, mas uma parte vital de nossa cultura e identidade. Valorizar as tradições culinárias locais não significa rejeitar a modernidade, mas sim encontrar um equilíbrio entre o antigo e o novo. A educação alimentar é fundamental. É hora de ensinar às gerações mais jovens o valor das práticas alimentares tradicionais, incentivando-as a apreciar os sabores autênticos que vêm das mãos de suas próprias famílias. Isso não apenas preservará nossa herança cultural, mas também promoverá uma alimentação mais saudável e sustentável. Além disso, devemos reconhecer o papel dos agricultores familiares, como Susana e Ramiro, na manutenção de nossas tradições e na produção de alimentos de qualidade. Apoiar a agricultura familiar é fundamental para garantir que essas práticas sobrevivam. Para concluir, os saberes alimentares e as tradições culinárias representam um patrimônio cultural inestimável. A história de Susana e Ramiro é um lembrete do valor dessas práticas, que têm o poder de nos conectar com nossas raízes e nos enriquecer espiritualmente. É nosso dever preservá-las, compartilhá-las e celebrá-las, para que as gerações futuras possam saborear o passado enquanto olham para o futuro. Vamos honrar esses sábios agricultores, lembrando que a comida é muito mais do que apenas sustento; é um reflexo de quem somos e de onde viemos.

 

Sobre o Autor: Klaus Vargas Karnopp é Servidor Público Federal lotado no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia Farroupilha - Reitoria. Possui um mestrado profissional na linha de pesquisa produção de plantas, pela Universidade de Cruz Alta, Cruz Alta-RS. Doutorando em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social pela mesma instituição na linha de pesquisa práticas sociais e sociedade contemporânea, onde pesquisa os saberes e as práticas envolvidas na alimentação de agricultores familiares (AF) longevos no município de Candelária/RS.