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Colunista 17/04/2017 08:16
Por: Ângelo Savi

Joãozinho Trinta tinha razão

Volto ao tema da coluna anterior, “A Banalidade do Mal”, porque depois dela ter sido publicada surgiu um fato novo que amplia o tema. Naquele artigo eu comentei sobre a desagregação social conjeturando que uma das suas causas é a indiferença das pessoas que deixam de agir e pensar segundo suas próprias consciências adotando a postura confortável de seguir a corrente. De fazer o mesmo que os outros, sem juízo crítico algum, o que tem como causa décadas de bombardeio por formadores de opinião que invariavelmente apresentam uma concepção relativista do mundo: a sociedade não presta, nada é verdade, a sociedade é culpada pelos crimes das pessoas, as minorias são sempre vítimas e assim por diante.

Recentemente me deparei com uma pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo de São Paulo, publicada em 25 de março no seu site, com o objetivo explícito de orientar a ação política do PT. A pesquisa foi feita em favelas da periferia de São Paulo, ou seja, com pobres ou muito pobres. O resultado dá muito que pensar.

Indo diretamente para as conclusões da pesquisa, ela constatou que, ao contrário do que diz a sabedoria convencional, os pobres querem menos estado e, para eles, a coisa pública significa apenas o que é gratuito, nada mais. Não veem o estado como a solução para todos os problemas e a descrença na política é intensa. Também foi constatado que as pessoas acham que a ascensão social está relacionada à disciplina, ao trabalho e à determinação. E, surpresa das surpresas, não são hostis aos seus empregadores e se identificam com histórias de superação e sucesso econômico. Há também clara consciência de que se deve estudar e uma profunda religiosidade.

Em suma, os pobres, pelo menos aqueles analisados na pesquisa, são conservadores, constatação feita por uma instituição insuspeita porque de esquerda. Segundo a pesquisa, o pobre não tem as características que apontei na coluna anterior, pois não acreditam em “luta de classes”, não se julgam vítimas e acreditam que a solução para seus problemas é o esforço pessoal; não veem a verdade como relativa, não querem destruir a sociedade, pelo contrário, almejam o sucesso dentro dela e são religiosos, ou seja, são tradicionalistas.

Penso que as constatações da pesquisa não invalidam o que eu disse anteriormente e que inclusive esclarecem certos pontos. Primeiro porque se tratou de uma análise localizada, isto é, não quer dizer que a mentalidade conservadora seja comum a todos os pobres. Contudo, invertendo o raciocínio, a constatação da pesquisa prova pelo menos que não é correto afirmar que todos os pobres se veem como vítimas da sociedade, dependentes do estado e que querem uma revolução para mudar tudo. Esta é uma concepção dos intelectuais, acadêmicos, dos autonomeados políticos progressistas, de grande parte da imprensa, que também se vê (e age) como progressistas, isto é, do que se convencionou chamar de formadores de opinião. Exatamente aqueles que acusei de praticar lavagem cerebral no povo implantando na sua psique o que genericamente se pode chamar de relativismo.

Há uma evidente ironia na história toda, pois aquilo que os ditos defensores dos pobres pensam e querem para eles não combina com a maneira que os próprios pobres se veem e com o que desejam. Como disse o lendário carnavalesco Joãozinho Trinta, “O povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”.