Por: Diego Foppa
Em 1982, diferença entre PDS e PMDB foi de um voto
Se em outubro a margem de 8.556 eleitores foi para os livros de história, o pleito que definiu Ronildo Gehres como prefeito ainda representa uma memória viva em Candelária
A eleição de 15 de novembro de 1982 não raro aparece na boca do povo de Candelária quando o tema é a importância de ir às urnas. Afinal, dizia-se, Ronildo Gehres tornou-se prefeito pela diferença de apenas um voto. Contudo, quando se verifica os arquivos do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) é difícil não ficar confuso, pois a diferença entre Gehres e Darci Heinze era de 100 votos. Entretanto, o que realmente decidiu a eleição foi a soma dos votos partidários: PDS com 5.098 e PMDB com 5.097.
Isso ocorre porque o pleito à época, o primeiro após o início da abertura política e o último sob o governo militar, funcionava de forma distinta. Contabilizava-se os votos dos partidos e, então, a chapa mais votada do vencedor era eleita. E, somando os votos dos partidos, o resultado final foi 5.098 votos para o PDS e 5.097 para o PMDB: um voto de diferença. Na atípica circunstância de um empate, a vitória também seria de Ronildo Gehres, pois ele era o candidato mais velho.
Nesse sistema, era possível ter mais de um candidato a prefeito por partido. Ronildo Gehres e Heitor da Fontoura Porto, conhecido como Zézinho, eram os candidatos do PDS (sucessor da Arena), enquanto Darci Heinze e Moacir Thumé concorriam pelo PMDB. Ivo Kochenborger, com Ildefonso Doos como vice, representava o PDT. Outro fato curioso é que em cada uma das ‘chapas duplas’ tinha um único vice: Clayrton Grehs, no caso do PDS; e Reginaldo Hegele, no caso do PMDB.
O vereador Celso Gehres, filho de Ronildo Gehres, relembrou os detalhes da apuração, que foi realizada no Clube Rio Branco. “No início, meu pai estava preocupado. Ele disse ‘o partido vai ganhar a eleição, mas estou envergonhado porque estou fazendo poucos votos’. Então ele desanimou e saiu. Mas quando entraram mais urnas de locais onde ele era forte, voltou a se animar”, recorda.
Credibilidade da apuração
Um fato destacado por muitos foi a atuação da juíza Genacéia da Silva Alberton, que supervisionou o escrutínio. “Ela percebeu, com a experiência dela, que a eleição seria muito parelha. Se eu não me engano, quando tinham por volta de 76 urnas apuradas, ela chamou os presidentes de partido e os fiscais para assinaram o aceite da apuração até ali”, apontou Celso. Clayrton Grehs, atualmente com 78 anos, vice nas chapas do PDS, também destacou a condução de Alberton. “A reta final foi urna por urna. Terminava o escrutínio da urna, era feito o boletim e depois assinavam que estavam de acordo. Isso foi decisivo para que não houvesse um tumulto ou uma recontagem total”, enfatizou.
Segundo lembram os interlocutores, a vantagem até então era do PDS, mas ela ia diminuindo rapidamente. Na memória de Clayrton Grehs, a vantagem tinha chegado a 500 votos, mas na reta final não passava de algumas dezenas e, finalmente, 9 votos de liderança. “Na última mesa, sabíamos que haveria desvantagem para nós, só não sabíamos de quanto. E um fiscal do meu partido, quando terminou a apuração, levantou e gritou ‘um voto!’. Como ele vibrou, eu imaginei que fosse nosso voto, mas na hora tinha essa dúvida: ‘um voto para quem’?”, recordou Grehs em meio a gargalhadas.
Do outro lado do páreo, o ex-prefeito Moacir Thumé, hoje com 80 anos, lembra bem das eleições de 1982, a sua primeira como candidato a prefeito. Em entrevista, confirmou a boa atuação da juíza, apesar de alegar fragilidades pontuais no processo. “Havia muitas cédulas em branco. Nós votávamos com uma caneta azul e a caneta de conferir era da mesma cor. Foi uma falha, até dos partidos, de não fazer o processo com outra cor de caneta”, ressalva. Contudo, não deixou de referendar a lisura da apuração. “Nós assinamos que estávamos de acordo. Então dizer que houve fraude é avançado demais”.
As repercussões do pleito e seu impacto duradouro
Moacir Thumé afirma que, a despeito de seu envolvimento direto na eleição, a apreensão maior nem era sua, mas de seu correligionário, Darci Heinze, que era quem estava mesmo no páreo. Perguntado sobre seu sentimento naquela data, destacou a importância de sua crença pessoal. “Se tu enfrentares um problema desses com fé, ele se torna mais fraco, não tira pedaço de ninguém”, pontuou. Curiosamente, nas eleições de 1992 Moacir tornou-se prefeito em um embate que seria com o próprio Ronildo Gehres, o qual teve sua candidatura impugnada. Na ocasião, o PDS foi ao pleito com Claudio Gehres, filho de Ronildo e irmão de Celso.
Clayrton Grehs compartilhou a sua reação estupefata. “Houve uma festa, uma comemoração, na época no Ginásio Municipal, mas eu não me animei de participar, em função da diferença mínima. Fiquei no Clube até a última hora. [Ganhar por um voto] nos deixa faceiros, mas não nos entusiasma”, revela. Grehs também recorda da repercussão em torno do voto fatídico. “Depois apareceram vários donos desse voto. Temos histórias de uma tia do Celso Gehres que estava em Cachoeira do Sul e veio votar. O Oto Mundstock, da Polícia Civil, agora já aposentado, trabalhava em Júlio de Castilhos, não iria votar e acabou votando. Quer dizer, em uma eleição apertada, todo voto conta”, ressalta.
Curiosamente, anos após a acirrada disputa de 1982, Clayrton Grehs e Darci Heinze voltaram a se encontrar em um novo cenário: ambos atuando na Assembleia Legislativa. “Trabalhei lá por 20 anos, e ele, na mesma época, assessorava deputados da região de Gravataí, onde passou a morar”, lembra Grehs. Apesar de estarem em lados opostos naquela eleição histórica, o respeito mútuo prevaleceu, e os dois frequentemente relembravam os detalhes daquele pleito decidido por um único voto.
A convivência posterior entre os antigos adversários mostra como a política pode, ao mesmo tempo, separar e unir, reforçando a importância de cada momento nas urnas e o impacto duradouro que uma eleição pode ter na vida das pessoas.